Um blog livre, aberto e despretensioso de resenhas caseiras, discussões acerca de... qualquer merda, na verdade...

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quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

O Pilar de José





     Calhou ter o nome assim, Pilar, coisa que única das que não controlaria em vida e que a seguiria pro resto de sua existência, coisa boba um nome. Mas assim fez-se Pilar e o poeta-escritor levou ao pé da letra. Em sua pluralidade mental, em seus caminhos, descaminhos e bagunças organizadas, basificou sua arquitetura torturada em Pilar. É como dizem os livros antigos, aquela história da casa que não para em pé quando feita sobre areia. Pilar é ferro, puro, bruto e brilhante. E sim, literalmente, é o sustento de José. Ouso dizer que sem Pilar, Saramago não existiria ou, ao menos, não resistiria. Num mundo criativo e efervescente de Saramago, num mundo de plurideias, subtramas e intertextos, Pilar é a conexão do gênio com a realidade. O intermeio, o canal entrelugares, no entremeio de existências, telefone sem fio de distantes constelações. Pilar seria os pés no chão, sim, mais uma vez: a base. Daí a importância do nome "José e Pilar", pra lembrar que o um não é um sem o outro, um "um" plural. E percebemos isso na medida em que essa maravilhosa obra de arte avança: um ser é inerente ao outro, extremamente dependente, numa sintonia assustadora de acidez, humor e engajamento. Comecemos, então, pelo nome e depois dane-se a ordem. Do nome posso dizer, além do que já disse, não o acho bom o bastante. É claro que ele passa a existência de Pilar ao lado de José, mas deveria ir além, se fosse possível ir além. Se fosse possível que as duas palavras coexistissem, aí sim seria perfeito, não uma do lado da outra, dando a entender que a primeira seja superior, jamais. O nome deveria ser um híbrido, como eles os são, um ser uno, semi-divino.

     Meus sentimentos com esse documentários resumem-se, espelhados nos infinitos sentidos dessa palavra: amor. Que objeto mais multifacetado é o amor, e é por meio desse espelho quebrado que conhecemos o íntimo de Saramago. O amor une os troncos antigos de seus dedos aos dedos de sua mulher. O amor o faz subir os montes ao lado de Pilar ouvindo suas histórias e rindo. O amor sai da ponta de suas unhas em seu computador a cada ponto final, a cada virgula. O amor o faz brigar, o cansa, o pesa. Há carinho em todos os toques, em todo estalar de língua, em todo pessimismo antigo desse ser superior. E somos atingidos em cheio por esse apaixonante documentário, e somos postos à prova face a esses dois gigantes que aprenderam a ser um só.

     Munido de imagens poderosas, edições fantásticas e roteiro poético, "José e Pilar" nos faz triste, pois cada hora passada com o prazer que o documentário proporciona é uma hora a menos do mesmo prazer e aí ficamos presos nesse paradoxos: porque seres como Saramagos deveriam ser (e sim, são) eternos. Depois que o assisti pela primeira vez senti-me perdido. Tanta coisa pra ruminar, tanto som e fúria, tanto sangue e tutano, tantas frases tão corretas e tão facilmente proferidas pelo frágil gigante português. Terminou-se como sair bailando de um sonho, os olhos recusando-se a abrir já abertos. De tão impossivelmente perfeita a obra e eu, de tão maravilhado, me vi perguntando a mim mesmo: É um documentário? Não é um romance? Veja que pergunta estúpida, leitor, a qual me veio a resposta direta, como a língua da chibata quente nas costas nuas, na voz do próprio José: mas é claro que é um romance. Mas é claro. Cheia de poética, metáforas, intrigas fantásticas, "José e Pilar" é o romance perfeito: uma realidade recheada de surrealismo, de neologismos, de paronomásias e outro termos já muito recauchutados e empregados a torto e a direito. É o romance perfeito, além da perfeição estética, por ser a mais pura amostra da realidade, do amor (aquele ser muito odiado e tantas vezes tomado como invenção) mais inflexível do mundo e, ao mesmo tempo, mais delicado.

     Vemos nas veias das mãos e do pescoço, no branco que toma a íris e os cabelos, nas manchas na pele e nos dentes, a delicadeza quebradiça de Saramago, um deus escravo do tempo. Não o duvido escrever em seus braços a pensar serem papéis antigos, e realmente o fossem: papiro antigo da mais intangível sabedoria. Aos poucos o mestre, cansado pelo peso de si, mesmo sustentado por Pilar, esfarela-se. Vê-se em meio a um oceano de afazeres e a velhice, mão maldosa que o puxa para o afogar-se, revelando sua morte a cada olhar mais profundo pro espelho. O filme conta a batalha interna de Saramago consigo mesmo para conseguir ser mais forte do que o externo e, aí sim, uma batalha externa de Saramago com as intempéries, as viagens, as quedas de braço mentais com sua literatura, os confrontos com os outros. Chega tamanha a estafa que vemos o mestre quase fenecer sob nossos olhos, e não duvido que tenha realmente ido. E que tenha voltado por Pilar. A Pilar que ficava no banco do hospital, no banco do avião, no banco do carro. A Pilar que ficava nos bancos da vida, lutando suas lutas internas, externas e lutando as lutas internas e externas de Saramago, quatro batalhas para um só ser. Chega também a hora em que os dois cansam juntos e são apenas arrastados pelo vendaval criado por eles mesmos. Lembro-me questionado pela minha mãe: Mas essa mulher dele é uma ditadora, ela vai matá-lo, o arrasta pra cá e pra lá, ele não quer fazer nada disso! Eu chamaria isso de amor bruto (tough love), mas acho que é maior que essa expressão já enrugada pelo uso. Pilar vira combustível, quando impossível de José continuar. Quando acaba o combustível, Pilar vira as próprias mãos e a própria força a empurrar José e, também vemos, José vira a mão para puxá-la quando preciso. É uma luta em dupla no mundo antropofágico da literatura contemporânea. E nesses momentos de guerra (trocando uma expressão enrugada por outra) é preciso endurecer, mas sem perder a ternura.

     O amor, como não fugir do amor nesse filme?, chega aos ápices da poesia: metáforas reais, de concreto e sutileza. Há um momento em que Pilar é condecorada (é assim que se fala? não sei se a pessoa é condecorada quando isso acontece ou se é outro termo, mas tudo bem) com uma rua com seu nome. Agora, senhoras e senhores, adivinhem que rua termina/desemboca na rua Pilar del Rio? Sim, a rua José Saramago. Outro fator belíssimo é a presença de Pilar em todos os livros de nosso autor, sendo todos os livros dedicados à sua esposa, como rosas raríssimas e únicas. Pilar permeia o homem Saramago e a obra Saramago. E no cruzamento da rua Pilar del Rio com a rua José Saramago encontramos uma de suas dedicatórias marcadas à eternidade.
      O filme termina com nosso desejo de que sequer tivesse começado, pois assim não haveria a dor do terminar. O filme termina com a esperança de outro livro, de outra caminhada árdua, de outra série de lutas, mas um sendo o Pilar do outro, como sempre. Hoje, após a morte do mestre Saramago, não há como brilhar os olhos e esperar que realmente exista realidade na frase dita pela boca de José e que abre e entrecorta o documentário: "Pilar, encontramo-nos noutro sítio." Espero que, no fim, encontrem-se.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Cine Holliúdy e o que realmente importa

Acabo de ver pela segunda vez Cine Holliúdy, filme cearense que, na terra natal, desbancou grandes blockbusters como o novo filme do Wolverine e coisa e tal.






Meu primeiro encontro com a obra de Halder Gomes foi em Salvador, quando o filme ainda só estava em cartaz nas salas do Nordeste. Já trazia consigo o crédito de ter sido uma das maiores audiência no Ceará, o que atraiu a atenção minha e da Julia, minha namorada. Seguindo meus rituais, não li resenha ou descrição (mesmo porque não tinha nenhuma além do sucesso no estado primo) e fui ver cru o filme, sem saber bem o que esperar. O filme, falado no exótico dialeto do cearensês e legendado em português para a compreensão geral, conta a saga de Francisgleydisson, um apaixonado pela sétima arte, e sua família na tentativa de montar um cinema. Passado nos anos 70, Francisgleydisson vê se aproximar a invasão da televisão, que coloca em jogo a relevância sócio-cultural do cinema. Mais do que uma luta para manter a magia do cinema viva - porque é disso que se trata no filme, da magia, do encantamento, do fascínio que estão contidos na telona, na produção; aquele outro mundo, ideal (ou não), mágico, onírico, que nos hipnotiza e nos permite sonhar e continuar sonhando -, o filme retrata o embate entre público e particular, comunidade e indivíduo, a interação e o isolamento, o cinema e a televisão.
Halder Gomes, diretor, roteirista e cearense
E o que poderia ser uma emocionante homenagem ao poder, o valor e o amor pelo cinema, transforma-se, nas mãos e coração de Halder Gomes, com todo - e muito, muito bem vindo - seu regionalismo cearense (toda a sua cearensidade), em uma grande homenagem à história contada, à narrativa que é tão característica da cultura nordestina, e, talvez mais importante, traz a magia como construção coletiva, dando absoluta voz ao espectador, que se recusa a apenas "espectar", mas insiste em participar, construindo junto, transformando junto, sonhando junto.

Quando entrei na sala, que deveria ter no máximo 30 pessoas, admito, duvidei do filme. Mas não poderia ter assistido melhor filme em melhor lugar. Se foi coincidência ou não, não importa, mas todos aqueles 30 baianos riam com gosto ao ouvir uma gíria esquisita do Ceará ou uma piada, por mais boba que fosse, puxavam o ar quando surpresos, comentavam, participavam, nos fazendo (nós, cariocas inveterados, que achamos tanto muito de nós mesmos quanto da arte de fazer filmes) rir junto, comentar junto, nos surpreender junto. Enfim, interagíamos com a tela, aquela que já viva e sorrindo para nós, como se dissesse que éramos poucos mas éramos privilegiados por estarmos ali, vivendo o que realmente significa uma sala de cinema. E éramos vivendo juntos um sonho no meio do maior shopping center de Salvador.

Não vou me prolongar muito dessa vez... prefiro que veja o filme e, se já viu, reveja e de preferência no cinema. É um filme cuja simplicidade cativa e toca e que, os olhos fascinados e o coração envolvido, arrancaram de mim menos palavras do que emoção.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Demian ou Não postamos só babação de ovo

Antes de mais nada

Por favor, leiam o livro antes de ler isso ou não levem em conta nada do que foi escrito. Obrigado.

Mais nada

A impressão básica que tive de Demian, a princípio, foi de que era um livro extremamente arrogante. Agora, isso deve parecer de grande arrogância de minha parte, isto é, chamar um ganhador do Nobel que foi Hesse de arrogante em um de seus livros mais famosos. De fato, o chamo assim talvez por não ter tido contato com o resto de sua obra, talvez por não ter compreendido a essência do que há no livro... não sei... Isso é a vossa majestade, o leitor, quem irá julgar. Mas tenho lá meus motivos, certo? Não são (apenas) disparates. Vamos então entrar no mundo de Demian, tal como eu o absorvi.


Apresentação

O protagonista em primeira pessoa é Emil Sinclair, embora eu apenas saiba de seu primeiro nome pela orelha, já que não me lembro dele ter alguma vez sido mencionado na edição que li. Enfim, isso não é importante. Sinclair, então, começa o livro em um prólogo, explicando que vai contar a história de sua vida, dando uma breve explanação de como é o homem. Já daí o ambicioso (e, porque não, pretensioso) projeto de Hesse me bateu no estômago. Já ouvi e li muitas versões do que é o homem, o que ele aspira, o que ele representa. Versões que se contradizem e tem pouca base além da experiência pessoal do autor. A de Hesse, ou de Sinclair, aparentemente não sai muito disso. Mistura sua visão de mundo com um misticismo confuso, determinista e, porque não, elitista, para dar luz a uma estranha diferenciação entre homens e seu objetivo na vida. Agora, a coisa interessante disso tudo é que o personagem Emil Sinclair é retratado como alguém fechado, evita ou tem dificuldade em interagir e tudo o mais. Ainda assim, ele apresenta visão de como são todos os homens - sem os conhecê-los. É enervante. Todas as suas características de exclusão social são vistas, no fim das contas, como glorificantes. Quem já viveu a solidão sabe bem que de enaltecedor não há nada. Sabe também o estranhamente comum que é o desprezo pelo resto do mundo. Talvez cheguemos a conclusão que, no final, Sinclair era apenas um garoto tentando achar seu nicho... Bom, não vamos nos apressar... chegaremos ao final.

Personagens e Ensaio

A forma como o autor conduz o livro também é algo que me incomodou. Sendo Sinclair o narrador personagem que conduz a história, talvez até seja justificável, mas no entanto, temos Dom Casmurro, que eu inevitavelmente uso para comparação, vindo de Machado, escritor brasileiro sem Nobel (e como poderia ser diferente?) que vive pouco antes e durante parte do período de Hesse e de cuja obra ainda infelizmente desconheço tanto, mas que já causou o impacto com os parcos livro e poemas que li. Que absurda comparação é essa? Ao narrar a própria vida, o que Sinclair faz é utilizar-se de acontecimentos vividos para, e talvez seja essa a questão do livro, argumentar um ponto de vista. O grande problema é que ao fazê-lo, boa parte, senão todos os personagens do livro, parecem extremamente artificiais, despidos de emoção e personalidade. Principalmente o que dá nome ao livro, Max Demian. Fiquei surpreso de no início do livro, enquanto Sinclair ainda frequentava a escola com Demian, isso ser anunciado em voz alta pelo narrador, mas nunca explicado. Demian era frio e sem emoções, um morto vivo que andava por aí filosofando com nove anos de idade. Uma criança que não se importa de matar outra se esta a está aporrinhando porque, "são decisões que um homem precisa fazer" ou algo assim. É coisa de doido mesmo. O único personagem que talvez saia desse balaio é o próprio Sinclair, este muito mais desenvolvido e interessante, apesar de algumas sequências de ações duvidosas e praticamente inteiramente ilustrativas. Talvez por ser o narrador. E é aí que eu faço uma provavelmente esdrúxula comparação com Bentinho. Bentinho também é narrador e a nós talvez os personagens de Dom Casmurro se mostrem distorcidos pela visão do personagem. Mas são todos, em seu jeito rebuscado e novecentista de ser, extremamente complexos emocionalmente, interessantes, diferentes, etc... Senti carinho por José Dias ou temor e respeito pela mãe de Bentinho, mas com Demian, minha sensação é que os personagens estão lá para ajudar a construir uma argumentação. Longos e inverossímeis diálogos em que Sinclair e, logo, o leitor, são quase que didaticamente ensinados os pensamentos do autor me fazem misturar Sinclair e Hesse e, no final, não ver muita coisa de história no livro. Interessa-me o que tem para falar, mas o fim que levou Sinclair, Demian, ou os outros personagens, pouco importa. E assim pareceu ao autor também, pelo visto, quando depois de falar tudo o que tinha para falar, abortou o livro em uma inércia paumolescente para quem esperava... alguma coisa. A coisa é que Demian mais parece um ensaio que utiliza o romance como formato do que um romance propriamente dito.

Maniqueísmo e Abraxas

Uma das coisas que é bastante frisada no livro é a síntese da dicotomia bem e mal (e suas intermináveis variantes) dentro de uma mesma coisa. Lá pro meio do livro o autor dá nome a essa coisa: Abraxas. É um dos argumentos principais do livro que existem dois mundos, o iluminado, seguro, puro, etc... que seria representado, na infância, pela casa da gente, nossos pais, etc... E aí tem o outro mundo, um mundo perigoso, sujo, o mundo das ruas, dos bordéis, das tavernas e essa coisa toda... um mundo que fascina Sinclair desde criança. Os dois mundos acabam fundindo-se e encontrando sua síntese em Abraxas, que eu não tendo pesquisado sobre, não sei se faz parte da mitologia do livro ou é coisa real, mas se trata justamente de um "deus", se é que podemos chamar assim, que é bom e mau, e que na verdade pode ser qualquer coisa e é tudo. Isso é interessante para se quebrar com o maniqueísmo católico com o qual Sinclair convive na infância, muito apesar de adicionar pouca complexidade além dele ao fenômeno da vida. Veja, Abraxas não nega o maniqueísmo, ele, pelo contrário, o aceita, o abraça e faz dele parte de si. O maniqueísmo se torna duas faces de uma mesma coisa, mas ainda é maniqueísmo. Isso dá um caráter de dualidade a tudo, e, no caso do livro, aos personagens também. Sinclair em dado momento de sua vida começa a frequentar tavernas e beber muito. Logo depois vira um santo casto iluminado por uma figura de musa platônica. Então descobre Abraxas e passa a dedicar sua vida a isso, à coexistência do bem e do mal, sempre usando como parâmetro os valores cristãos, talvez, não sei.
Bem e mal são referenciais, como bem sabemos. Mesma coisa é o certo e o errado. Se abortar é certo para uns, é também errado para outros. Aborto, então, ao invés de ser uma coisa que coexiste entre o certo e o errado, como eu acredito que seja a ideia no livro, é, na minha opinião, algo que existe e ponto e daí as pessoas tiram suas conclusões. Imprimir a impressão pessoal de alguém como característica da coisa me é estranho e tais noções sempre serão pessoais. Não obstante, gosto da forma como Hesse lida com a dicotomia, talvez mais forte na Europa. Voltando à Machado, também em Dom Casmurro, os personagens evitam tal taxação. Por mais que Bentinho, enquanto narrador,  tente imprimir em Capitu a característica de má ou coisa que o vale, no fim das contas é o leitor quem vai definir o que vale o que na história e se não é, afinal, Bentinho quem degringolou. Lembrando que Machado não é Nobel. Uma das maiores injustiças da história da literatura. Foda-se. Voltemos.

Misticismo

Outra característica forte do livro é sua pegada pro misticismo. Este, admito, tenho grande preconceito. No livro, no entanto, não é quando Demian diz que se você está pensando numa coisa com afinco, ninguém te incomodará nem quando ele afirma que se você quer algo, basta pensar naquilo e terá (da onde eu descobri o início d'O Segredo, aliás), nem nada relacionado à estranha seita que me incomoda. Não, o que me incomoda é a forma absolutamente arrogante com que lidam com esse misticismo que eu poderia até aceitar como parte inocente da mitologia do livro, mas não o faço de birra. É essa coisa que o autor insistem em Marca de Caim e o diabo a quatro. Aparentemente quem nasce com a Marca de Caim é superior ou é destinado a ser superior aos outros. Coisa que eu a princípio pensei ser figurativa, ao longo do livro se mostrou mais e mais literal. Aliás, comigo o livro todo foi assim. Por ver em Demian personagem não existente, o deleguei a ser parte do próprio Sinclair, assim como a mãe de Demian, personagem, no fim, chave. Mas o livro me provou errado repetidas vezes colocando provas inequívocas da existência física dos personagens, me deixando na merda e sem alternativa a não ser desgostar cada vez mais do livro. Desculpa, é isso. Em dado momento, Sinclair conhece um organicista que deve ser o segundo personagem mais interessante do livro, e aliás nem é tão interessante assim. Enfim, em uma das didáticas, o autor nos expõe que não é possível criar nada. Ora! Oquei... Mais tarde me vem com a ideia de que a Natureza tem um desígnio para nós e que nossa função enquanto homens é segui-lo. Não só isso como alguns outros aspectos do livro são como uma saga agostiniana. Olha: tanto Sinclair como Santo Agostinho vivem sua vida como provação e evolução em direção à iluminaçao divina (ou natural, se é que podemos chamá-la disso). Se para Santo Agostinho era Deus que fazia os caminhos, para Sinclair e companhia era a Natureza. Nada deviam fazer além de seguir os desígnios para eles feitos. E que isso era coisa de homem justo e bom e sei lá o quê. Para uma seita que diz explicitamente: "Nós, os marcados, não tínhamos de nos preocupar com a estrutura do futuro. Todos os credos, toda doutrina salvadora nos parecia inútil desde o princípio." me parece quase incoerente ter uma crença tão rígida e estranha, quase impotente, na sua travessão de liberdade. "Para nós só havia um dever e um destino: chegarmos a ser perfeitamente nós mesmos, conformarmo-nos inteiramente à semente da natureza em nós ativa e vivermos tao entregues à nossa vontade que o futuro incerto nos encontraria prontos a tudo o que pudesse trazer consigo." É claro que é lindo isso.

Sinclair

No entanto, a impotência de Sinclair entra em direto contraste com sua própria descrição do que são os "marcados". Em seu desprezo pelo resto do mundo, em seu enclausuramento erudito, Sinclair pouco conhece das pessoas e pouco conhece da vida. Seu (arrogante) posicionamento como sábio, como marcado, o impediu de experimentar aquilo que nutre poesias e paixões, que são os corações dos outros. Sua grande sina é não se enxergar nos outros, mas apenas em um seleto grupo que, entre diálogos inverossímeis, o deixam como espectador de sua própria vida. A história de Sinclair, se a encararmos como história, é uma de ilusões e passividade, de solidão e busca por um lugar seguro, de insegurança constante e impotência. No fim das contas, não lhe adianta muito ser marcado, não faz nada daquilo que anuncia. Não vive a vida com o afinco e paixão, não tem coragem sequer de fugir da guerra mais sanguinária de seu tempo (talvez por ver naquilo o sinal dos novos tempos, e nisso, pelo menos, ele tinha razão, a primeira guerra mundial foi um divisor de águas) ou ficar com a mulher que ama, entrega-se inerte aos eventos sucessivos, declarando pouco poder de escolha. Seus sonhos de grandeza são respondidos, ao final do livro, com ferimentos de guerra. Não representa nada para o mundo, marcado ou não, e seu amor pela individualidade é soterrado pelo mar de desgosto que foi sua vida. No prólogo, Sinclair afirma estar contando a história real de um homem real: ele. No entanto, talvez seja fato que, de tanto se procurar, Emil Sinclair perde-se em si mesmo.

Retratação

Dito tudo isso, sinto que devo alguma coisa ao autor e ao livro que, de forma alguma é um livro ruim. Vejo em Demian um livro que questiona o pensamento comum a todos, que segue os passos de um jovem durante seu caminho pelo conhecimento de si, pela formação da personalidade. As extrapolações que por ventura Hesse possa ter cometido (ou não, isso vai depender, como sempre, do leitor, ser magnífico e que dá o significado; sou um leitor ingrato) fazem parte de um estilo, gostemos ou não dele e reconheço a talvez estúpida comparação entre Demian e Dom Casmurro, visto que cada livro tem sua estética, sua função. Talvez eu tenha lido Demian tarde demais, quando o espírito antes fresco já encontra-se frio e ressecado demais para receber o tipo de história que Hesse tenta me contar. Quem sabe, talvez eu não tenha entendido nada, afinal... O que sei é que muita gente cuja voz eu respeito tem grande apreço por este livro e não é pela minha infame opinião que ele deve perder seu valor, nem mesmo para mim.




Extra! Extra!

*Destruição Criadora e os Dualismos

“A ave sai do ovo. O ovo é o mundo. Quem quiser nascer tem que destruir um mundo. A ave voa para Deus. E o deus se chama Abraxas.” 

Terminei a resenha e esqueci de colocar este trecho importantíssimo para o livro, o que é absurdo, já que a ave está presente na capa e representa a linha de raciocínio que conduz a formação do jovem Sinclair: do questionamento dos valores dados à liberdade para poder voar para si mesmo (ou para Abraxas). A destruição, para Hermann Hesse, é necessária para a criação do novo ou para a liberdade. Talvez seja por aí que se anunciaria a nova era que profetiza Demian, através da destruição do mundo com a grande guerra.
É claro que o mundo não deveria ser a Europa (como eu sou chato!), mas a gente releva esse tipo de coisa. No meu livro, no entanto, isso demonstra a incompatibilidade de coexistência entre velho e novo... mais dicotomia e eu acho dicotomia um porre.

Aproveitando o espaço, queria fazer um adendo sobre a questão de gênero e sexualidade. Isso é, caso aceitemos minha tese furada de que todos os personagens são Sinclair, a dicotomia homem-mulher e a homo-heterossexual (como vi num comentário, fuçando a internet - e não se preocupem, não achei ninguem falando mal do livro, só o idiota aqui) são talvez as únicas tratadas com certa ausência de contraste. Elas se misturam, sendo que tanto a tríade principal de personagens: Sinclair, Demian e Eva quanto provavelmente Abraxas, são andróginos (o que é fantástico!). Apesar disso, Sinclair não demonstra desejos sexuais por Demian, não explicitamente pelo menos, mas o faz com Eva. O que é engraçado, visto que durante quase todo o livro, a obsessão de Sinclair foi o rapaz pouco mais velho que ele e que dá nome ao livro. Bom... a Demian fica delegada a posição de "guru" ou "guia espiritual", separado do amor carnal. Mas Hesse não me engana, Sinclair joga dos dois lados.


quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Perro Negro



Recebi meu exemplar de "Perro Negro" hoje, pelo correio. Um exemplar bastante caseiro mesmo, feito à mão, suor e amor, como sei bem. A embalagem de plástico veio com um lindo desenho do artista, Rafael Elfe, obra de sua talentosa namorada, Mayara Nardo. Peguei o CD EMTEC gravável de 80 min, desvirginado pelo "Perro Negro" e "R. Elfe" escritos à mão, e o coloquei no rádio; o potente violão que já tive prazer de ver em ação ressoava nas caixas de som que herdei do meu avô (junto com sua vitrola/cd-player que exibo orgulhosamente no meu quarto). Já conhecia a faixa. De fato, com exceção de uma música apenas (a da faixa 4), eu já conhecia o cd de trinta e tantos minutos inteiro. Mesmo assim, a música que dançava pelo quarto era inteiramente nova e ainda parece ser toda vez que coloco para ouvir.


"Amor para meu Amor", Rafael Elfe por Mayara Nardo


A gravação caseira do disco (que já é intimista por si) nos permite entrar na atmosfera em que estava o artista: os pássaros que podemos ouvir em Tanto Faz, o ocasional som de vento e de ar de casa. O barulho de sol que invade as notas... O sentimento de nublado que dá tom na voz...
Ela nos dá a sensação máxima de intimidade, como se fizéssemos parte daquele momento tão embrionário da criação musical, aquele momento de inspiração e satisfação quando tocamos a música que criamos pela primeira vez e sentimos que ela está viva e preparada para ser chamada de "pronta". 


Eu ouço Perro Negro de olhos fechados. Assim, as tantas imagens que ele traz conseguem invadir sem interferência... Os sons se misturam... as notas cantam o coração e a voz orna a lírica e poesia de cada canção e formam uma unidade reconhecível sob a bandeira do poeta, do músico.

O disco é, em sua totalidade, uma (infelizmente) curta mas densa e palpável jornada pela alma do artista, tão semelhante a tantas outras; os sonhos, as paixões, as revoltas, as doçuras, os momentos de melancolia...
No fim, acho que não consigo expressar bem o que sinto com o som do Elfe, digo apenas que é certo. É um som certo. É um som que sai não do rádio, mas de dentro, que nos invade, nos faz pensar, sentir, gela a espinha e faz sorrir ao mesmo tempo. É um som que fala conosco. Que nos faz ficar bem e em boa companhia. Resumindo, é um som muito melhor sentido do que explicado.



Perro Negro por Mayara Nardo


Abaixo, uma das minhas favoritas do disco, Larga Tudo e Vem:

https://soundcloud.com/rafaelelfe/larga-tudo-e-vem?in=rafaelelfe/sets/perro-negro

e a canção que dá nome ao álbum:
https://soundcloud.com/rafaelelfe/perro-negro?in=rafaelelfe/sets/perro-negro



quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Folk e The Outside Dog (desculpe-me o Leitor, não consegui ser criativo no título)

"Folk é uma mulher que pariu todos os seus filhos sozinha, sem ajuda de médicos. O resto é tudo leite com pêra..."

Foi com essa frase que o Rafael Elfe, do The Outside Dog, acabou de postar aqui no Facebook que eu decidi começar uma resenha que vem sendo adiada faz meses. Em parte pela complexidade do que é o folk, em parte por falta de conhecimento e estrutura de minha parte, em parte, ao contrário, pela simplicidade do folk, de tudo o que deveria ser dito com poucas palavras, poucas notas. Elfe postou a frase juntamente com esse vídeo:






Agora sim eu posso me dedicar a fingir que sei do que estou falando. Em outras tentativas de começar o texto eu falava da origem do termo, planejava falar de Bob Dylan, da música folk americana e da música folclórica, mas que se foda. Pro inferno com tudo isso, vou dar minha própria impressão, bem pessoal, do que é o folk.

Folk é a expressão máxima do povo por meio da música, é a fala-canto garranchada, o dedilhado autodidata feroz e a letra coracionada, emoção-alma enjuntada num canto sem platéia, porque o folk é do cancioneiro, mas é também do povo, é pro cancioneiro e é pro povo. É um berro de cultura, um ressoar de existência viva, muito viva, e reverberante. É o sertão, a lavoura, o pampa. É a condição própria do povo sentir-se povo, de reconhecer-se naquilo ali. É cantar a alma.

Em outro papo com o Rafael Elfe, conversávamos sobre a (então) nova banda dele, o The Outside Dog, e uma coisa que eu notei foi que, enquanto as antigas músicas eram compostas em inglês, as novas, após a entrada do Elfe, estão em português. Fui falar com ele a respeito disso e me contou que conheceu a banda num festival de folk (o All Folks Fest, em Sampa - https://www.facebook.com/AllFolksFest?fref=ts), e ficou amigo dos caras. O Elfe já tinha um trabalho solo bem bacana¹, que o levou para o festival, todo em português, enquanto o The Outside Dog compunha em inglês, com uma pegada mais pro folk americano. Ele me disse que vendo-o tocar sozinho com o violão, o pessoal da banda ficou tocado com a intimidade da coisa. E completa: "E [é] mais próxima à nossa língua mãe né, a comunicação. E claro, no meu caso, a não submissão, rs. Mas isso é coisa de quem está matriculado em ciências sociais, rs. S
empre achei legal defender a nossa coisa.". Acho que "defender a nossa coisa" é a melhor forma que encontro de simplificar o folk (novamente, é uma visão extremamente pessoal). 
A questão é que, seja como for, o The Outside Dog lançou um fantástico EP², já com o Elfe como integrante e com letras em português, e de tudo o que eu tinha ouvido deles e tinha gostado, mas sentido que faltava alguma coisa, agora me pareceu que a banda tinha encontrado o seja lá o que fosse que faltava para deixar o som, digamos assim, ideal. "Contramão", a primeira faixa do EP "Outros Caminhos Parte 1", é um ato de subversão e de defesa à nossa coisa. Deixo a letra com vocês: O dia mal começa, mas eu não tenho pressa 
Nunca vou perder o que não tenho 
E essa velha história, de viver atrás das horas 
E se julgam bem a frente do seu tempo 
De baixo dessa capa, escondem a verdade 
Se é que algum dia a tiverem 
Temem só aqueles, que fogem do modelo 
Que sempre julgam como verdadeiro 

Eu não compro o que vendem 
Eu não creio no que creem 
Eu não caio nessa história que foi tudo em vão 
De que estou na contramão 

De longe é maravilha, de perto a fantasia 
Só enxergam aquilo que tem preço 
O passo vai pra frente, mas parada está a mente 
Que há tempos deixou de trabalhar 
Se muito já é pouco, eu que sou o louco 
De não querer ir abordo desse trem 
Nada é o bastante, querem sempre o distante 
É se esquecem o que cresce bem aqui 

Eu não compro o que vendem 
Eu não creio no que creem 
Eu não caio nessa história que foi tudo em vão 
De que estou na contramão

Pouco importa, nesse caso, se tratar dum som gringo (que vem dos folks americanos), o grito é da terra. É da coisa nossa. É folk.






¹ Ouça o trabalho solo do Rafael Elfe: https://soundcloud.com/rafaelelfe e a página no Facebook: https://www.facebook.com/fantasmadoporao?fref=ts

² Ouça o novo EP do The Outside Dog, Outros Caminhos Parte 1, assim como suas outras músicas: http://www.theoutsidedog.com/

domingo, 17 de março de 2013

A maior terceira menor big band do mundo.



O "Antes de mais nada".

Dois jovens milenares
      Conheci Os Mulheres Negras como poderia não conhece-los, esbarrando nesses dois seres excêntricos pelo excêntrico caminho da minha vida repousada nas minhas pernas roliças, graças ao meu professor de piano que me mostrava Karnak (que merece um post só pra eles) e uma entrevista do André Abujamra, bem jovem, onde ele cita, rapidamente, seus projetos anteriores, e é nesse momento que meus ouvidos compreendem a estranha junção "Os Mulheres Negras" em vida. Foi apenas isso, coisa de microssegundos, e a mente marcou a ferro o nome peculiar e logo os dedos pegaram fogo nos youtubes e nos sites de downloads ilegais porém necessários dessa longa vida enferrujada.  E foi assim que, tomado por uma estranheza inicial, descobri-me ali dentro, na loucura dos dois homens brancos que multiplicavam-se como polvos enlouquecidos, formando o que eles chamavam de "A terceira menor big band do mundo".

O "Depois de mais tudo".

     Eles se consideram a terceira menor big band do mundo, mas com o passar dos tempos e com a modernidade passaram a ser a sétima menor big band do mundo, talvez com alguns cálculos inacessíveis aos seres humanos. Muitos consideravam que a primeira menor big band do mundo é ninguém mais que Hermeto Pascoal, mas eles respondiam que era quando um deles faltava no show ou no ensaio. De certo a segunda  menor big band era quando um deles era cortado pela metade. 


     São tão pequenos e poucos os que ousam falar deles que sobraram apenas um parágrafo e meio na Wikipédia e alguns videos perdidos pelo youtube. No site de cifras vigente (aquele do clube das cifras, sabe?) só existem duas músicas cifradas, e isso creio que na internet toda, ambas (mal)cifradas por este que aqui vos fala, que pretende fazer isso com as demais também, quando tiver mais tempo, afinal, cifrar obras de arte é destilação corporal de vida, sangue, suor e lágrimas. Sua existência é uma lenda, sua música é uma linguagem a ser decodificada, seus fãs são seres semi-extintos da lucidez Pouco de sua gênesis é conhecida. Lendas contam que os mortais André Abujamra e Maurício Pereira, divinamente encontraram-se em aulas de ritmos africanos e, talvez por algum feitiço de preto velho ou de divindades obscuras provindas da própria África com seus batuques e truques entroncados no próprio existir, transformaram-se os dois homens brancos em vários e, ainda por cima, em Mulheres Negras. 

O Crescer do Império.

     Desembestaram em séries de shows com outros seres caóticos e independentes, suas musicas alternativas e ilógicas soando aos ouvidos dos céticos e mostrando a todos que poderia sim existir mais de umas meia dúzias de deuses. Alguns vídeos sobraram do Grande Incêndio Cultural que existiu do passado dOs Mulheres, e dentre eles salvam-se o espetáculo psicodélico de "Só Tetele", com sua melodia peculiar, com seu baixo corredor e com sua letra quebradiça em uma antiga maldição africana de vício instantâneo ao que se ouve, a grande homenagem Beatleana "Sub" e o Grande Alerta Milenar sobre a suja destruição da natureza que ecoa em diversas linguagens e melodias da insana e multifacetada "Purquá Mecê" (além de outros que serão lembrados depois que eu falar o que quero falar, mesmo sem saber o que sairá de mim)

Só Tetele (eu sei que eles são belos demais, mas foque-se no poder da letra)


Sub


Purquá Mecê


     Da História de seu surgimento chegaram ao ápice de encontrar com um dos maiores magos da exposição, o eterno gordo e soaresco Jô, em plena juventude de seus milhões de anos, manipulador de todos os olhos, onde em plena arena éssebêtística se digladiaram com todos os poderes insanos e demoníacos e com todas as suas forças de ironias enjauladas. Dessa batalha, que os fez ficarem mais conhecidos, sobrou apenas uma série de vídeos, das quais deixo aqui a Primeira Santa Parte e, se aos mortais convir assistir os demais, que utilizem de suas forças e de seu suor para conseguir encontrar o resto dessa obra prima, onde eles tocam uma música-tributo ao Gran Villa-Lobos e falam de seu jornal e de sua caixa postal.

O Hiato Inexistente.

     Calaram-se por algum tempo. Mas a música continuou soando em nossos corações femininos e negros.

     Nesse tempo de calmaria em seus mares, de caminhos separados para fortalecimento e para recolher sabedorias para futuras loucuras, fizeram pequenas aparições, como no filme "Durval Discos" (que merece uma resenha à altura), adaptando a música "Mestre Jonas" de Sá, Rodrix e Garabyra.

Mestre Jonas, pel'Os Mulheres Negras



El Gran-Retorno.

     Voltaram, sem mesmo ter saído, e aí vinha um novo desafio: agrupar novos lunáticos das novas realidades sociais. O que conseguiram, afinal, e felizmente, ainda existem loucos entre os oceanos intragáveis da normalidade.

     Foi nesse momento que, dizem, descobriram que, com as modernidades, não eram mais a terceira menor big band do mundo, mas sim a sétima menor, descobriram também que com alguns botões em um notebook conseguiam fazer melhor do que aquelas parafernalhas enormes que pareciam robôs assassinos em seus shows e estúdios musicais. Só que, para compreender essa nova linguagem, precisavam ser alfabetizados. Humildes, como todos os gran-sobrehomens são, voltaram do zero e reaprenderam tudo para imperarem sobre todos como sempre.

     Assim, a caixa postal 20908, da onde nasceu o Jornal dos Mulheres Negras, caso você não viu a entrevista com o Jô Soares, oh alma inapta à existência!, virou twitter: https://twitter.com/20908 e o contato correial virou facebookiano: http://www.facebook.com/osmulheresnegras?fref=ts 

Os Mulheres, anos depois, imortalescos
     Voltaram a fazer show com as músicas e improvisações fantásticas a partir do século XXI, quando o 2000 começou a crescer em dezena também, e eu, humilde servo, fui assistir o primeiro show e me deparei com dois homens muito cansados e sentados. Chorei por dois mil anos. Porém, desacreditado e me sentindo infiel por ter pensado tal coisa, resolvi ver o vídeo do segundo show, uma outra reunião raríssima desses dois monstros, e eis que vejo, brilhando como  o sol, o Feitiço Africano dOs Mulheres Negras tomando conta de meu corpo novamente!

 Feridas, música cantada em diversas línguas antigas e, grande parte, no dialeto alienigena de Cthullu.



Relíquias Musicais.

Música e Ciência (1988)

     Durante sua estadia na Terra, Os Mulheres Negras deixaram uma larga discografia que contém dois discos infinitos, de tantas vezes que você vai repeti-los inesgotavelmente. O primeiro, a introdução de suas existências em nossa reles existência, chamado pura e simplesmente de "Música e Ciência" (1988), pois era isso o que queriam: misturar a música com os sons loucos de todas as ciências antigas do mundo. O rompimento da camada da realidade foi grande nessa, chegaram com o pé na porta e o tapa na cara e mostraram para todos qual era o seu Método, mostraram abertamente seus objetivos ("Fazer musica pop e quem sabe algum dia ficar rico e xarope) e mostraram, acima de tudo, que a música popular não precisa ser a mesmice de sempre, e sim um labirinto de situações inesperadas, clichês inesgotáveis que misturam-se formando obras de artes com suas bananas ao vento. Digamos que quase uma "Clockwork Banana".
     
     Dentre esse museu de peculiaridades se destacam as já citadas: Sub, Purquá Mecê e Feridas. As não citadas o serão agora, com licença.

     Com sua capacidade sobre-humana, Os Mulheres conseguiram vários feitos inesperados nesse primeiro álbum. Um deles era conseguir resumir vida e morte em apenas um minuto com essa música, "Elza", a qual eles chamam de biografia dechavada do Garrincha, Deus queira saber o que isso signifique, pois Eles, Os Mulheres, o sabem.

     Também, entre as surpresas do álbum angélico, Os Mulheres nos mimam com uma releitura do clássico "Summertime", com suas milhares de mãos polvônicas.


     Dentre outras músicas, ou seja, todas, que fazem do álbum a raridade que realmente o é.

Música Serve Pra Isso (1990)

    Depois disso, dois anos depois pra ser mais preciso, dois anos de muita labuta e refinamento, chegaram outros Mulheres, mudados, com uma levada mais melódica e lírica, mais construída ainda que pop, sempre melhores do que ontem e piores do que amanhã. Nesse novo álbum chamado "Música serve pra isso" diversas músicas se destacam. Falemos delas.

     A música-carro-chefe, "Musica serve pra isso" já vem de cara surpreendendo a todos com a insana lucidez de sua letra, a poética mordaz e confusa, a melodia deliciosa e espancadora. É o indizível que ousou ser dito. (infelizmente não consegui incorporar o vídeo ao blog, então toma o link apenas: http://www.youtube.com/watch?v=JAEBaKOoDu4 )

     Também a canção já citada "Só Tetele" e a não citada ainda "Guembô" que, com a magia africana que Os Mulheres vinham preparando, nos leva diretamente para uma aldeia em meio aos seus santos cânticos. (Infelizmente a música é bela demais e não é digna do youtube, então mando-lhes só o audio, pois é só disso que precisas: http://www.reverbnation.com/play_now/song_10195092# )

     Entre outras músicas como "Etiópia Mirim" e "John" se destaca a minha favorita. Chama-se "A Lavadeira, O Varal e a Saudade" e nela, sem "letra" alguma, Os Mulheres Negras conseguem resumir perfeitamente o sentimento da saudade. Imagino eu, em meus delírios, os olhos fechados e ouvidos atentos, ao som do triste baixo caminhante, a negra escrava ou semi-escrava pondo as brancas roupas no varal, a pele cansada ao sol, a mente cansada à vida, os lábios cansados cantando a canção incompreensível aos nossos ouvidos de seu povo cansado e esquecido. Vale a pena ouvir, dentre qualquer outra aqui citada: http://www.lastfm.com.br/music/Os+Mulheres+Negras/_/A+Lavadeira,+O+Varal+E+A+Saudade

     Também se destaca a divertida "Cabeludas" e a bela, triste e repetitiva "Common Uncommunicability" que fecha o álbum e (por enquanto) a Obra Mulheresnegresca com a chave de ouro da estranheza. ( Mais uma vez o Youtube dando uma de puta: http://www.youtube.com/watch?v=_PVzvxAVV0Y

     Dia desses, uns dois dias atrás no máximo, contando com a data desse post, Os Mulheres Negras soltaram na internet sua versão da música "A Rita" do Grand-Deus Chico Buarque para um documentário do porvir. Transformaram essa obra-prima em outra obra-prima. A primeira do lirismo, a segunda da loucura explosiva e melancólica dOs Mulheres Negras. Veja o invisível e ouça o inesperado.
      (argh Youtube, assim você não me ajuda, pessoas tem preguiça de clicar em links poxa! http://www.youtube.com/watch?v=UKlmXKDbyao )

Poslúdio.

     Enfim, falei e nada disse, pois não há palavras concretas que resumam o poder musical de qualquer um, inda mais dOs Mulheres Negras. Espero ter agregado alguns iniciantes, espero que tenhas ouvido tudo ou lido ao menos tudo, senão a metade, e se leu/ouviu a metade quer dizer que não está lendo isso e quer dizer que posso parar de escrever agora. Mas deixo aqui, para os que querem ter Os Mulheres Negras convosco, os mesmos, tão humildes, tão humanos, tão compreensivos, deixaram o seguinte link em  Sua Página Inicial, com os seguintes dizeres maquiavélicos e nostradamísticos:

     "por favor não não click nesse link abaixo

     são os dois discos dos mulheres negras

https://www.yousendit.com/dl?phi_action=app%2ForchestrateDownload&rurl=https%253A%252F%252Fwww.yousendit.com%252Ftransfer.php%253Faction%253Dbatch_download%2526batch_id%253DQlVpZEV4SU9Fc0k4RmNUQw"

Se eu fosse você, não o faria.

Os Mulheres Negras, hoje e sempre. Maurício mostrando que nada têm embaixo da manga e André deixando claro que não precisam ter nada embaixo da manga, já que tem o Olho Que Tudo Vê e estão observando você, nesse momento, terminar essa confusa des-análise.



segunda-feira, 11 de março de 2013

Michel me respondeu!