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domingo, 17 de março de 2013

A maior terceira menor big band do mundo.



O "Antes de mais nada".

Dois jovens milenares
      Conheci Os Mulheres Negras como poderia não conhece-los, esbarrando nesses dois seres excêntricos pelo excêntrico caminho da minha vida repousada nas minhas pernas roliças, graças ao meu professor de piano que me mostrava Karnak (que merece um post só pra eles) e uma entrevista do André Abujamra, bem jovem, onde ele cita, rapidamente, seus projetos anteriores, e é nesse momento que meus ouvidos compreendem a estranha junção "Os Mulheres Negras" em vida. Foi apenas isso, coisa de microssegundos, e a mente marcou a ferro o nome peculiar e logo os dedos pegaram fogo nos youtubes e nos sites de downloads ilegais porém necessários dessa longa vida enferrujada.  E foi assim que, tomado por uma estranheza inicial, descobri-me ali dentro, na loucura dos dois homens brancos que multiplicavam-se como polvos enlouquecidos, formando o que eles chamavam de "A terceira menor big band do mundo".

O "Depois de mais tudo".

     Eles se consideram a terceira menor big band do mundo, mas com o passar dos tempos e com a modernidade passaram a ser a sétima menor big band do mundo, talvez com alguns cálculos inacessíveis aos seres humanos. Muitos consideravam que a primeira menor big band do mundo é ninguém mais que Hermeto Pascoal, mas eles respondiam que era quando um deles faltava no show ou no ensaio. De certo a segunda  menor big band era quando um deles era cortado pela metade. 


     São tão pequenos e poucos os que ousam falar deles que sobraram apenas um parágrafo e meio na Wikipédia e alguns videos perdidos pelo youtube. No site de cifras vigente (aquele do clube das cifras, sabe?) só existem duas músicas cifradas, e isso creio que na internet toda, ambas (mal)cifradas por este que aqui vos fala, que pretende fazer isso com as demais também, quando tiver mais tempo, afinal, cifrar obras de arte é destilação corporal de vida, sangue, suor e lágrimas. Sua existência é uma lenda, sua música é uma linguagem a ser decodificada, seus fãs são seres semi-extintos da lucidez Pouco de sua gênesis é conhecida. Lendas contam que os mortais André Abujamra e Maurício Pereira, divinamente encontraram-se em aulas de ritmos africanos e, talvez por algum feitiço de preto velho ou de divindades obscuras provindas da própria África com seus batuques e truques entroncados no próprio existir, transformaram-se os dois homens brancos em vários e, ainda por cima, em Mulheres Negras. 

O Crescer do Império.

     Desembestaram em séries de shows com outros seres caóticos e independentes, suas musicas alternativas e ilógicas soando aos ouvidos dos céticos e mostrando a todos que poderia sim existir mais de umas meia dúzias de deuses. Alguns vídeos sobraram do Grande Incêndio Cultural que existiu do passado dOs Mulheres, e dentre eles salvam-se o espetáculo psicodélico de "Só Tetele", com sua melodia peculiar, com seu baixo corredor e com sua letra quebradiça em uma antiga maldição africana de vício instantâneo ao que se ouve, a grande homenagem Beatleana "Sub" e o Grande Alerta Milenar sobre a suja destruição da natureza que ecoa em diversas linguagens e melodias da insana e multifacetada "Purquá Mecê" (além de outros que serão lembrados depois que eu falar o que quero falar, mesmo sem saber o que sairá de mim)

Só Tetele (eu sei que eles são belos demais, mas foque-se no poder da letra)


Sub


Purquá Mecê


     Da História de seu surgimento chegaram ao ápice de encontrar com um dos maiores magos da exposição, o eterno gordo e soaresco Jô, em plena juventude de seus milhões de anos, manipulador de todos os olhos, onde em plena arena éssebêtística se digladiaram com todos os poderes insanos e demoníacos e com todas as suas forças de ironias enjauladas. Dessa batalha, que os fez ficarem mais conhecidos, sobrou apenas uma série de vídeos, das quais deixo aqui a Primeira Santa Parte e, se aos mortais convir assistir os demais, que utilizem de suas forças e de seu suor para conseguir encontrar o resto dessa obra prima, onde eles tocam uma música-tributo ao Gran Villa-Lobos e falam de seu jornal e de sua caixa postal.

O Hiato Inexistente.

     Calaram-se por algum tempo. Mas a música continuou soando em nossos corações femininos e negros.

     Nesse tempo de calmaria em seus mares, de caminhos separados para fortalecimento e para recolher sabedorias para futuras loucuras, fizeram pequenas aparições, como no filme "Durval Discos" (que merece uma resenha à altura), adaptando a música "Mestre Jonas" de Sá, Rodrix e Garabyra.

Mestre Jonas, pel'Os Mulheres Negras



El Gran-Retorno.

     Voltaram, sem mesmo ter saído, e aí vinha um novo desafio: agrupar novos lunáticos das novas realidades sociais. O que conseguiram, afinal, e felizmente, ainda existem loucos entre os oceanos intragáveis da normalidade.

     Foi nesse momento que, dizem, descobriram que, com as modernidades, não eram mais a terceira menor big band do mundo, mas sim a sétima menor, descobriram também que com alguns botões em um notebook conseguiam fazer melhor do que aquelas parafernalhas enormes que pareciam robôs assassinos em seus shows e estúdios musicais. Só que, para compreender essa nova linguagem, precisavam ser alfabetizados. Humildes, como todos os gran-sobrehomens são, voltaram do zero e reaprenderam tudo para imperarem sobre todos como sempre.

     Assim, a caixa postal 20908, da onde nasceu o Jornal dos Mulheres Negras, caso você não viu a entrevista com o Jô Soares, oh alma inapta à existência!, virou twitter: https://twitter.com/20908 e o contato correial virou facebookiano: http://www.facebook.com/osmulheresnegras?fref=ts 

Os Mulheres, anos depois, imortalescos
     Voltaram a fazer show com as músicas e improvisações fantásticas a partir do século XXI, quando o 2000 começou a crescer em dezena também, e eu, humilde servo, fui assistir o primeiro show e me deparei com dois homens muito cansados e sentados. Chorei por dois mil anos. Porém, desacreditado e me sentindo infiel por ter pensado tal coisa, resolvi ver o vídeo do segundo show, uma outra reunião raríssima desses dois monstros, e eis que vejo, brilhando como  o sol, o Feitiço Africano dOs Mulheres Negras tomando conta de meu corpo novamente!

 Feridas, música cantada em diversas línguas antigas e, grande parte, no dialeto alienigena de Cthullu.



Relíquias Musicais.

Música e Ciência (1988)

     Durante sua estadia na Terra, Os Mulheres Negras deixaram uma larga discografia que contém dois discos infinitos, de tantas vezes que você vai repeti-los inesgotavelmente. O primeiro, a introdução de suas existências em nossa reles existência, chamado pura e simplesmente de "Música e Ciência" (1988), pois era isso o que queriam: misturar a música com os sons loucos de todas as ciências antigas do mundo. O rompimento da camada da realidade foi grande nessa, chegaram com o pé na porta e o tapa na cara e mostraram para todos qual era o seu Método, mostraram abertamente seus objetivos ("Fazer musica pop e quem sabe algum dia ficar rico e xarope) e mostraram, acima de tudo, que a música popular não precisa ser a mesmice de sempre, e sim um labirinto de situações inesperadas, clichês inesgotáveis que misturam-se formando obras de artes com suas bananas ao vento. Digamos que quase uma "Clockwork Banana".
     
     Dentre esse museu de peculiaridades se destacam as já citadas: Sub, Purquá Mecê e Feridas. As não citadas o serão agora, com licença.

     Com sua capacidade sobre-humana, Os Mulheres conseguiram vários feitos inesperados nesse primeiro álbum. Um deles era conseguir resumir vida e morte em apenas um minuto com essa música, "Elza", a qual eles chamam de biografia dechavada do Garrincha, Deus queira saber o que isso signifique, pois Eles, Os Mulheres, o sabem.

     Também, entre as surpresas do álbum angélico, Os Mulheres nos mimam com uma releitura do clássico "Summertime", com suas milhares de mãos polvônicas.


     Dentre outras músicas, ou seja, todas, que fazem do álbum a raridade que realmente o é.

Música Serve Pra Isso (1990)

    Depois disso, dois anos depois pra ser mais preciso, dois anos de muita labuta e refinamento, chegaram outros Mulheres, mudados, com uma levada mais melódica e lírica, mais construída ainda que pop, sempre melhores do que ontem e piores do que amanhã. Nesse novo álbum chamado "Música serve pra isso" diversas músicas se destacam. Falemos delas.

     A música-carro-chefe, "Musica serve pra isso" já vem de cara surpreendendo a todos com a insana lucidez de sua letra, a poética mordaz e confusa, a melodia deliciosa e espancadora. É o indizível que ousou ser dito. (infelizmente não consegui incorporar o vídeo ao blog, então toma o link apenas: http://www.youtube.com/watch?v=JAEBaKOoDu4 )

     Também a canção já citada "Só Tetele" e a não citada ainda "Guembô" que, com a magia africana que Os Mulheres vinham preparando, nos leva diretamente para uma aldeia em meio aos seus santos cânticos. (Infelizmente a música é bela demais e não é digna do youtube, então mando-lhes só o audio, pois é só disso que precisas: http://www.reverbnation.com/play_now/song_10195092# )

     Entre outras músicas como "Etiópia Mirim" e "John" se destaca a minha favorita. Chama-se "A Lavadeira, O Varal e a Saudade" e nela, sem "letra" alguma, Os Mulheres Negras conseguem resumir perfeitamente o sentimento da saudade. Imagino eu, em meus delírios, os olhos fechados e ouvidos atentos, ao som do triste baixo caminhante, a negra escrava ou semi-escrava pondo as brancas roupas no varal, a pele cansada ao sol, a mente cansada à vida, os lábios cansados cantando a canção incompreensível aos nossos ouvidos de seu povo cansado e esquecido. Vale a pena ouvir, dentre qualquer outra aqui citada: http://www.lastfm.com.br/music/Os+Mulheres+Negras/_/A+Lavadeira,+O+Varal+E+A+Saudade

     Também se destaca a divertida "Cabeludas" e a bela, triste e repetitiva "Common Uncommunicability" que fecha o álbum e (por enquanto) a Obra Mulheresnegresca com a chave de ouro da estranheza. ( Mais uma vez o Youtube dando uma de puta: http://www.youtube.com/watch?v=_PVzvxAVV0Y

     Dia desses, uns dois dias atrás no máximo, contando com a data desse post, Os Mulheres Negras soltaram na internet sua versão da música "A Rita" do Grand-Deus Chico Buarque para um documentário do porvir. Transformaram essa obra-prima em outra obra-prima. A primeira do lirismo, a segunda da loucura explosiva e melancólica dOs Mulheres Negras. Veja o invisível e ouça o inesperado.
      (argh Youtube, assim você não me ajuda, pessoas tem preguiça de clicar em links poxa! http://www.youtube.com/watch?v=UKlmXKDbyao )

Poslúdio.

     Enfim, falei e nada disse, pois não há palavras concretas que resumam o poder musical de qualquer um, inda mais dOs Mulheres Negras. Espero ter agregado alguns iniciantes, espero que tenhas ouvido tudo ou lido ao menos tudo, senão a metade, e se leu/ouviu a metade quer dizer que não está lendo isso e quer dizer que posso parar de escrever agora. Mas deixo aqui, para os que querem ter Os Mulheres Negras convosco, os mesmos, tão humildes, tão humanos, tão compreensivos, deixaram o seguinte link em  Sua Página Inicial, com os seguintes dizeres maquiavélicos e nostradamísticos:

     "por favor não não click nesse link abaixo

     são os dois discos dos mulheres negras

https://www.yousendit.com/dl?phi_action=app%2ForchestrateDownload&rurl=https%253A%252F%252Fwww.yousendit.com%252Ftransfer.php%253Faction%253Dbatch_download%2526batch_id%253DQlVpZEV4SU9Fc0k4RmNUQw"

Se eu fosse você, não o faria.

Os Mulheres Negras, hoje e sempre. Maurício mostrando que nada têm embaixo da manga e André deixando claro que não precisam ter nada embaixo da manga, já que tem o Olho Que Tudo Vê e estão observando você, nesse momento, terminar essa confusa des-análise.



segunda-feira, 11 de março de 2013

Michel me respondeu!



quarta-feira, 6 de março de 2013

Journey

Para variar um pouco, este texto de hoje é sobre o jogo independente de video game, Journey.




     Para começar, Journey é um jogo - maravilhoso, por sinal - de Playstation 3. Minúsculo, deve levar uma hora e meia pra terminar se você for lerdo como eu sou. Enfim... Conta a história muda de um viajante - você - que vai em direção a uma montanha. O que esta montanha significa creio que cabe ao jogador decidir... para mim é a simples, mas muito simbólica, representação do objetivo, do ponto onde se quer chegar. Como em toda jornada há uma linha de chegada, por assim dizer.
      Em seu caminho você por vezes encontrará outros viajantes. A princípio eu pensei que fazia parte da história do jogo, tratei de pegar os itens antes que o outro pudesse. De certa forma faz... É, no entanto, outra pessoa que está jogando. A ideia é justamente a de companheiros para a jornada. Não se trava uma jornada sozinho e o jogo insiste nisso desde seu conceito. Journey é lindo, tanto visualmente quanto de conteúdo. A ideia, segundo os desenvolvedores, é criar um laço entre as pessoas, fazer com que elas se importem umas com as outras através do jogo, mostrar "o lado positivo da humanidade". De algum jeito isso dá certo. Quando percebi que se tratava de uma pessoa e não de um programa, minha atitude mudou completamente, ajudar e tentar se comunicar da melhor forma com o companheiro de viagem é praticamente obrigatório no jogo. Não há comunicação efetiva, e essa era a ideia. Não há nomes - até acabar o jogo - e isso também faz parte do jogo.
     Os desenvolvedores dizem que retiraram, deixaram só o cru - do jogo e dos jogadores - para que os preconceitos não ficassem entre os jogadores. Bom... claro que não vou dizer nunca que um jogo consegue sequer chegar perto do contato real tete-a-tete. Mas devo admitir que, em um mundo onde as relações estão cada vez mais afastadas e as pessoas cada vez mais individualistas e isoladas, Journey é um jogo interessante, com uma proposta interessante e que vale muito a pena ser abraçada - tanto dentro quanto fora do video game. E é incrível que se faça isso com o mínimo de comunicação entre os envolvidos.
     Se tem uma coisa que é absolutamente verdade nesse mundo - e o jogo mostra bem isso - é que nossa jornada, seja qual for, nunca será solitária.



sábado, 2 de março de 2013

Uma resenha animada



um filme não tão valente assim
Há alguns anos, com as inovações da Pixar a partir de Toy Story, animações conseguem abranger assuntos profundos e filosóficos com e para o olhar de uma criança. Como sou um apaixonado por animações, nunca digo não quando convidado (na maioria por mim mesmo) para assistir alguma e posso dizer ser fã de carteirinha da Pixar. Assisti Valente dias atrás e infelizmente percebi que eles não acertaram tanto na mão. Os personagens não eram tão carismáticos e o enredo parecia vir de roteiristas muito cansados que não faziam ideia de como sair da onde se meteram e, olha só, infantil demais para o nível das animações que concorriam com ele ao Oscar. Infelizmente, o Oscar de Melhor Animação foi para Valente, deixando dois concorrentes muito merecedores e ousados tristes: Detona Ralph e ParaNorman. Acredito que foi exatamente por isso que não ganharam o prêmio: a ousadia. Entre os dois, ParaNorman se destaca pela maturidade em temas bem peculiares e é sobre esse rapaz de cabelo de vassoura de bruxa que vou tentar rabiscar umas falhas palavras de emoção louca de um amante de animação.

     
         Entre a animação em geral, sou um eterno apaixonado pelo stop-motion. Não sei, não me perguntem coisas técnicas e seus relativos, aqui fala um cara que só entende do sentir que um filme lhe passa e posso dizer que o cuidado e o carinho de stop-motions sempre me ganhou. Talvez pela delicadeza e fluidez diferente dos demais, talvez pelos detalhes conseguidos de uma maneira tão árdua e artística, talvez por saber que tem trinta caras soando pra cacete pra fazer uma cena de dez segundos e que conseguem fazer um filme de uma hora e meia com maestria, talvez por sentir calor humano, um contato maior artista e arte, que modifica aos meus olhos estrábicos e obsessivos compulsivos. ParaNorman já começou me ganhando por isso. Não que eu soubesse que era stop-motion no inicio nem enquanto o filme passava, mas quando comecei a pesquisar para essa resenha mal desenhada e vi essa foto (então o certo seria que ParaNorman terminou me ganhando com esse fato, não começou, o que demonstra que o filme é além de sua animação).



    Norman é um garoto comum com uma capacidade que o difere dos demais e é daí que começa a dificuldade em sobreviver num lugar de iguais sendo tão destoante. Pela sua dicotomia, que, para o expectador inesperado quando é revelada surpreende (e isso é no começo do filme, mas não darei spoiler algum para te deixar com água na boca), ele é excluído e massacrado pelos que não o compreendem ou que apenas tem medo de seu jeito de ser.



 Norman e seu amor pelo macabro
     Veja, não existe o mau ou o bom, as pessoas são impulsionadas pelo medo, pelo preconceito e pela maneira como enxergam as coisas com os olhos turvos ou límpidos e é aí o primeiro ponto de suma importância desse filme e que demais filmes de animação vem fazendo (como exemplo, Detona Ralph): A quebra do maniqueísmo para as crianças. Botar desde cedo um tema tão trabalhado pesadamente em livros e filmes (Dançando no Escuro, do Lars é o exemplo mais pontiagudo que me veio à cabeça) numa linguagem irreverente e acessível é uma obra de arte a parte. Acredito que esse tipo de realidade que se expõe na mente de um ser desde jovem serve como salvador de vidas, quebrando conceitos sociais velhos e deturpados que estragam e limitam o ser humano. E isso o filme faz com maestria, quando as realidades invertem-se e tudo se resolve numa tentativa desesperada de diálogo entre seres cegos que utilizam a pancadaria acéfala para terminar com seus problemas. Ta aí, mais uma crítica da ParaNorman: à sociedade cega, surda e muda, marionetes do medo imposto pela mídia em geral, à sociedade violenta onde o mais puro apelo de socorro verdadeiro é perdido entre balburdias e agressões verbais cegas. E vemos então outra crítica: à falta de diálogo entre pais e filhos, essa distância de eras que não se compreendem, talvez por não falarem a mesma língua, talvez pela inveja que existe da maturidade pela juventude, talvez por não estarem na mesma onda vibratorial (e encaixe aqui todos os argumentos filosóficos e espirituais que conheças), abre-se um enorme abismo entre seres que moram tão perto, um enorme muro berliniano entre suas realidades, e passa-se à total incompreensão de ambas as partes que procuram o porquê de atos tão estranhos do outro em resposta aos seus.

     
E é isso que vemos na gama de relacionamentos dos filmes: os excluídos sociais, os excluídos familiares, os narcisistas perdidos dentro de si, os brutos incompreensíveis, os mansos delicados, os idiotas monstruosos, os especiais, todos juntos num só balaio de gato tentando se comunicar da maneira que conseguem, verdadeira torre de Babel, em suas linguagens dicotômicas que logo viram um grito enorme de incompreensão mútua. A descoberta do sexo e da violência também são marcados, ainda que de passagem, no filme, com pequenas piadas que devem deixar os pais de cabelo em pé nos cinemas junto dos filhos, por serem inesperadas de saírem da boca de criaturas tão bonitinhas. Bonitinhas e cheias de problemas, como todos nós e isso, ah, isso sim assusta; onde já se viu um filme de animação ser tão real em sua surrealidade?


Para mim, os roteiristas e animadores estão de parabéns pela ousadia que sempre precisou existir nessa esfera de filmes. A fábula e a trama é bem diferente, com subtemas de muita discussão, tais como: a exploração capitalista em cima de um fato histórico, vida e morte, realidades, o medo do ser humano explodindo por todos seus poros, a cegueira da violência, o “bullying” nas escolas e em todos outras dimensões existenciais da vítima, a amizade além das diferenças, a quebra do maniqueísmo, as escolhas e suas respostas futuras, a falta de diálogo e compreensão, a sexualidade, e talvez mais, para aqueles que enxergam além do meu horizonte encaixotado. E além de toda essa profundidade tão bem desenhada numa camada lúdica e fluida (tanto que nem percebemos quão pesado é tudo aquilo que passa correndo pelos nossos olhos) o filme é uma grande homenagem aos filmes clássicos de terror. Sim, ParaNorman nada mais é que, além de tudo isso, uma animação stop-motion de humor negro e terror infantil e posso dizer, sem nenhuma vergonha, que até eu fiquei temeroso certos momentos.


O que mais me surpreendeu foi o modo gracioso em que tocaram com a temática vida e morte, brincando com essa fina linha que separa os mortos e vivos e que foi tanto mexida ao longo dos anos. Não vi nenhum outro filme falar disso com tanta franqueza (fora Mary and Max). A cena final das descobertas e do alívio de uma alma presa na dureza da terra e por isso muito, muito brava, é de uma beleza tocante. Da música aos diálogos à arte visual, tudo paira numa fluidez espectral, afinal, tudo é muito belo, sabe?, aquela beleza rara e frágil de uma criança?, isso se encontra em momentos duros, o amor entre os espinhos tesos loucos para arrancar sua pele, a flor que nasce entre as ervas daninhas do desentendimento. O espectador apaixonado torce para um amor além dimensões, mas isso não é possível, nem numa animação, veja você. E ficamos na mão, mesmo felizes, porque o ser merece um pouco de amor no meio de tanta falácia, arrogância e solidão. Ao fim ele tem, tem sim, mas o quanto se desgastou pra isso é muito maior.


Hoje, posso marcar ParaNorman junto das minhas animações prediletas (Wall-e, Toy Story, Procurando Nemo, O Estranho Mundo de Jack [que é um clássico nesse quesito], Mary and Max [essa vale fazer uma resenha a parte também] e outros amigos que aqui me esqueço) e se não assistiu, por favor, desliga esse computador e vai alugar o mais rápido possível. E sim, chama os primos, os parentes, a avó, a mãe, os amigos, é um filme universal que fala todas as línguas em sua ousadia deliciosa. Deixo aqui a bela trilha sonora da parte final, que é muito tocante (especialmente a partir dos 2:10 do vídeo, se não tiver paciência, pule pra esse momento, dispa-se de si e sinta).