um filme não tão valente assim |
Há alguns
anos, com as inovações da Pixar a partir de Toy Story, animações conseguem
abranger assuntos profundos e filosóficos com e para o olhar de uma criança.
Como sou um apaixonado por animações, nunca digo não quando convidado (na
maioria por mim mesmo) para assistir alguma e posso dizer ser fã de carteirinha
da Pixar. Assisti Valente dias atrás e infelizmente percebi que eles não
acertaram tanto na mão. Os personagens não eram tão carismáticos e o enredo
parecia vir de roteiristas muito cansados que não faziam ideia de como sair da
onde se meteram e, olha só, infantil demais para o nível das animações que
concorriam com ele ao Oscar. Infelizmente, o Oscar de Melhor Animação foi para
Valente, deixando dois concorrentes muito merecedores e ousados tristes: Detona
Ralph e ParaNorman. Acredito que foi exatamente por isso que não ganharam o
prêmio: a ousadia. Entre os dois, ParaNorman se destaca pela maturidade em
temas bem peculiares e é sobre esse rapaz de cabelo de vassoura de bruxa que
vou tentar rabiscar umas falhas palavras de emoção louca de um amante de
animação.
Entre a animação em geral, sou um eterno
apaixonado pelo stop-motion. Não sei, não me perguntem coisas técnicas e seus
relativos, aqui fala um cara que só entende do sentir que um filme lhe passa e
posso dizer que o cuidado e o carinho de stop-motions sempre me ganhou. Talvez
pela delicadeza e fluidez diferente dos demais, talvez pelos detalhes
conseguidos de uma maneira tão árdua e artística, talvez por saber que tem
trinta caras soando pra cacete pra fazer uma cena de dez segundos e que
conseguem fazer um filme de uma hora e meia com maestria, talvez por sentir
calor humano, um contato maior artista e arte, que modifica aos meus olhos
estrábicos e obsessivos compulsivos. ParaNorman já começou me ganhando por
isso. Não que eu soubesse que era stop-motion no inicio nem enquanto o filme
passava, mas quando comecei a pesquisar para essa resenha mal desenhada e vi
essa foto (então o certo seria que ParaNorman terminou me ganhando com esse
fato, não começou, o que demonstra que o filme é além de sua animação).
Norman é um garoto comum com uma
capacidade que o difere dos demais e é daí que começa a dificuldade em
sobreviver num lugar de iguais sendo tão destoante. Pela sua dicotomia, que,
para o expectador inesperado quando é revelada surpreende (e isso é no começo
do filme, mas não darei spoiler algum para te deixar com água na boca), ele é
excluído e massacrado pelos que não o compreendem ou que apenas tem medo de seu
jeito de ser.
Norman e seu amor pelo macabro |
Veja, não existe o mau ou o bom, as
pessoas são impulsionadas pelo medo, pelo preconceito e pela maneira como
enxergam as coisas com os olhos turvos ou límpidos e é aí o primeiro ponto de
suma importância desse filme e que demais filmes de animação vem fazendo (como
exemplo, Detona Ralph): A quebra do maniqueísmo para as crianças. Botar desde
cedo um tema tão trabalhado pesadamente em livros e filmes (Dançando no Escuro,
do Lars é o exemplo mais pontiagudo que me veio à cabeça) numa linguagem
irreverente e acessível é uma obra de arte a parte. Acredito que esse tipo de
realidade que se expõe na mente de um ser desde jovem serve como salvador de
vidas, quebrando conceitos sociais velhos e deturpados que estragam e limitam o
ser humano. E isso o filme faz com maestria, quando as realidades invertem-se e
tudo se resolve numa tentativa desesperada de diálogo entre seres cegos que
utilizam a pancadaria acéfala para terminar com seus problemas. Ta aí, mais uma
crítica da ParaNorman: à sociedade cega, surda e muda, marionetes do medo
imposto pela mídia em geral, à sociedade violenta onde o mais puro apelo de
socorro verdadeiro é perdido entre balburdias e agressões verbais cegas. E
vemos então outra crítica: à falta de diálogo entre pais e filhos, essa
distância de eras que não se compreendem, talvez por não falarem a mesma
língua, talvez pela inveja que existe da maturidade pela juventude, talvez por
não estarem na mesma onda vibratorial (e encaixe aqui todos os argumentos
filosóficos e espirituais que conheças), abre-se um enorme abismo entre seres
que moram tão perto, um enorme muro berliniano entre suas realidades, e
passa-se à total incompreensão de ambas as partes que procuram o porquê de atos
tão estranhos do outro em resposta aos seus.
E é isso que
vemos na gama de relacionamentos dos filmes: os excluídos sociais, os excluídos
familiares, os narcisistas perdidos dentro de si, os brutos incompreensíveis,
os mansos delicados, os idiotas monstruosos, os especiais, todos juntos num só
balaio de gato tentando se comunicar da maneira que conseguem, verdadeira torre
de Babel, em suas linguagens dicotômicas que logo viram um grito enorme de
incompreensão mútua. A descoberta do sexo e da violência também são marcados,
ainda que de passagem, no filme, com pequenas piadas que devem deixar os pais
de cabelo em pé nos cinemas junto dos filhos, por serem inesperadas de saírem
da boca de criaturas tão bonitinhas. Bonitinhas e cheias de problemas, como
todos nós e isso, ah, isso sim assusta; onde já se viu um filme de animação ser
tão real em sua surrealidade?
Para mim, os
roteiristas e animadores estão de parabéns pela ousadia que sempre precisou
existir nessa esfera de filmes. A fábula e a trama é bem diferente, com subtemas
de muita discussão, tais como: a exploração capitalista em cima de um fato
histórico, vida e morte, realidades, o medo do ser humano explodindo por todos
seus poros, a cegueira da violência, o “bullying” nas escolas e em todos outras
dimensões existenciais da vítima, a amizade além das diferenças, a quebra do
maniqueísmo, as escolhas e suas respostas futuras, a falta de diálogo e
compreensão, a sexualidade, e talvez mais, para aqueles que enxergam além do
meu horizonte encaixotado. E além de toda essa profundidade tão bem desenhada
numa camada lúdica e fluida (tanto que nem percebemos quão pesado é tudo aquilo
que passa correndo pelos nossos olhos) o filme é uma grande homenagem aos
filmes clássicos de terror. Sim, ParaNorman nada mais é que, além de tudo isso,
uma animação stop-motion de humor negro e terror infantil e posso dizer, sem nenhuma
vergonha, que até eu fiquei temeroso certos momentos.
O que mais me
surpreendeu foi o modo gracioso em que tocaram com a temática vida e morte,
brincando com essa fina linha que separa os mortos e vivos e que foi tanto
mexida ao longo dos anos. Não vi nenhum outro filme falar disso com tanta
franqueza (fora Mary and Max). A cena final das descobertas e do alívio de uma
alma presa na dureza da terra e por isso muito, muito brava, é de uma beleza
tocante. Da música aos diálogos à arte visual, tudo paira numa fluidez espectral,
afinal, tudo é muito belo, sabe?, aquela beleza rara e frágil de uma criança?,
isso se encontra em momentos duros, o amor entre os espinhos tesos loucos para
arrancar sua pele, a flor que nasce entre as ervas daninhas do desentendimento.
O espectador apaixonado torce para um amor além dimensões, mas isso não é
possível, nem numa animação, veja você. E ficamos na mão, mesmo felizes, porque
o ser merece um pouco de amor no meio de tanta falácia, arrogância e solidão.
Ao fim ele tem, tem sim, mas o quanto se desgastou pra isso é muito maior.
Hoje, posso
marcar ParaNorman junto das minhas animações prediletas (Wall-e, Toy Story,
Procurando Nemo, O Estranho Mundo de Jack [que é um clássico nesse quesito], Mary and Max [essa vale fazer uma resenha a parte também] e
outros amigos que aqui me esqueço) e se não assistiu, por favor, desliga esse
computador e vai alugar o mais rápido possível. E sim, chama os primos, os
parentes, a avó, a mãe, os amigos, é um filme universal que fala todas as
línguas em sua ousadia deliciosa. Deixo aqui a bela trilha sonora da parte
final, que é muito tocante (especialmente a partir dos 2:10 do vídeo, se não
tiver paciência, pule pra esse momento, dispa-se de si e sinta).
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