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quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Pontes para Si - Pitanga em Pé de Amora ou A Importância de Morrer.

       
            Ta aí a primeira resenha suicida do mundo. Vou te explicar, fantasma leitor.

Poucas vezes em minha vida posso dizer que me aproximei tanto da morte. Poucas vezes posso dizer que entrei em contato direto com minha existência, capaz de compreendê-la e soltá-la feito pássaro nesses meus labirintos e abraçar assim, em sorrisos, a atormentadora morte. Nesses momentos únicos, ímpares e paradoxais, a morte torna-se bichinho de estimação, um cachorro amoroso que nos lambe a face e nos molha em seu amor. A morte vira namorada, dá-nos a mão e beija-nos a boca e nos faz atingir o maior gozo já alcançado pelo humano frágil corpo. E ficamos lá, nós dois, eu e a morte, a valsear pelas ruas confusas e acinzentadas, eu pronto e puro para ser abatido, ela só a brincar comigo, pois nunca me ousou levar. Assim senti. A última vez, três anos atrás, era um dia nublado e vazio, meus pés no chão cinzento da cidade, nos ouvidos o Réquiem do Mozart, no corpo um prazer etéreo que só a musica pode vibrar. Ali eu pensei imediatamente que poderia morrer facilmente. Tão leve que era capaz da gravidade me refutar, do Sol me imantar, do corpo pulverizar-se naturalmente. Alguma alquimia poderosa e antiga acontecer ali, me metamorfosear em bando de pombas brancas, dentes-de-leão ou apenas cinzas ao vento...  Ali nada temia eu, abraçando Mozart em sua morte e velando seu corpo. Poucas vezes tive essa experiência pré-mortem e post mortem. Hoje, depois de tanto tempo, eu tive, ao ouvir o novo disco dos amados Pitanga em pé de amora. Morri completamente e renasci poderoso no fim de cada música. Cada célula sentindo as potências musicais e vibrando tão forte que não aguentavam a própria vida. Era isso meu corpo: show de fogos de células confusas se implodindo de prazer. Morri de dentro pra fora, inverti-me, e ao fim de cada experiência me renovei. Esse álbum, amigos, nos dá a chance de ser fênix finalmente.

Pontes par Si. Sem dúvidas o nome foi tão certeiro quanto cada música com que esses moços e moças nos presenteiam. Pontes, tantas pontes que confundem. E dentro do caos reina o sentido de ser e o sentido de existir tantas pontes e atalhos para Si. Nunca ouvi algo tão maduro, no movimento natural da lagarta se metamorfoseando em seu casulo até a libertação de suas asas. Nunca presenciei uma tomada de identidade e musicalidade tão afiada e, sim, afinada. Refinada. Sem fim. Enfim, nada pode explicar em palavras essa mutação tão natural dessa trupe musical, pincelando essas notas lindas de dó à (pontespara)si. Falo aqui, em minha pequenez de conhecimento, que esse álbum e essa reunião de amigos com a musica, toda essa brincadeira poética, esses trava línguas instrumentais, todo esse todo é o melhor resultado da musica nas minhas ultimas descobertas. Os Hermanos, Camelo, Amarante, Graveola, O Terno, Os Mulheres Negras, Orquestra Filarmonica, Cícero, Móveis Coloniais, e mais, esses tão grandes, tão bons, tão únicos em suas idiossincrasias e tão unidos nessa mesma vibração de fazer pulular a boa música em nosso cenário musical difícil são pitangas em pés de amora. São diferentes, apontados, são destacados, são deslocados. Somos assim todos nós. E por sê-los, para mim, é esse o álbum que maior se destaca na história dessa nova música que vem nos inundando (perceba: inundando, mas não afogando. Afinal, no prazer me inundo facilmente).

Eu aqui, sobre meu troninho de nada, no meu tamanhozinho pífio, me cubro com esse tecido tão bem costurado. Essa música madura e ecoante, que gruda e desgruda postas de nossa carne, nos põe pra sangrar. Temos que sangrar, senhoras e senhores! Aceitar nosso sangue, senti-lo e toma-lo! Tomar nossas misturas, nossos líquidos confusos, do mais árido ao mais cremoso, e nos entender inteiros. Temos que fazer essa endoscopia musical, esse exame de próstata sentimental para nos sentir cada musculo, cada fibra à flexionar, cada resposta natural ao todo. É isso que me senti, aliás, uma caixa de bateria batendo sozinho a cada música, extremamente afinado com todos os tons de Pontes para Sí. Uma impossível caixa de bateria afinada em todos as tonalidades do mundo. Devo isso, essa percepção, a eles. Essa percepção que devemos ser multi-instrumentais, extra-tonais, transcendentonais. Revolu-de-dó-a-si-onários.

E aqui, eu observador com catarata nos olhos, confuso nessa floresta árida de poesia e internos labirintos, eu que tão pouco sei e tanto ouso falar e gritar, pequenininho nos pés dos grandes, como uma criança, um bebê-pulga, posso afirmar em toda minha falta de autoridade em qualquer assunto (e aliás acho que é tão importante isso que vou dizer a seguir que vou botar em um parágrafo só para ele):

Tem certas coisas que merecem entrar para a História e a Identidade Musical de uma Nação (e perceba quantas maiúsculas, isso é realmente importante, leitor). Coisas como a Tropicália, a Bossa Nova, coisas Revolucionárias assim, marcantes cicatrizes belas. Pra mim o álbum ao qual ouvi hoje merece estar marcado para o futuro, porque é de tamanha excelência e profundidade que raro se vê e quase não se vê mesmo ali existindo. E em tudo toca, porque bebe direto dos nossos pais e dos nossos avós, na linda complexidade da bossa nova, do choro, do samba, do frevo, das marchinhas, coisas estritamente brasileiras. Passeia afinadamente entre todos esses mundos, brinca até com o funk, aceita a miríade social e musical brasileira. Fala do todo mirando nessa partícula minúscula e eternamente complexa que é o “si”, o cada um. É de cada um que se forma o todo, cada célula da nossa comunidade (veja, a própria palavra nos diz: comum-unidade).

Vamos morrer juntos, amigos. Morrer musicalmente, de dentro pra fora, abraçar esse vento sólido que nos toma. Vamos ouvir e aceitar essa possessão, beber dos exorcismos musicais. Sintamos na boca escorrer a excelência e um aplauso enorme à esperança! Uma ovação aos dedos e às bocas, às mentes, às poesias, uma salva de plumas e palmas tão grande que tenham a consistência de um cobertor e que cubra, enfim, nossos artistas. Artistas que devem ser sempre, fervorosamente abraçados e que precisamos sempre mostrar o quanto são importantes. Porque importantes são, por serem um outro capaz de nos fazer entrar em contato com nosso eu. Por serem, enfim, nossas pontes para si.

E não vou mentir, fiquei com invejinha dessas músicas tão bem arranjadas, poetizadas, cantadas, feitas em si. Quem sabe esse eu com minhas músicas tão quebradiças e engatinhantes chegue um dia nos pés desses senhores e senhoras? A mim basta o sonho, as asas eu desenho depois. Do mais, vale a pena. Acredita em mim. Acredita neste louco apaixonado, vai. Não vou te decepcionar. Vamos lá.


Vai, para de ler essa baboseira. 




De quebra, eles no programa Ensaio: