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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Oh, Django!

O Horácio me pediu para descrever em uma palavra Django Unchained (Django Livre, no Brasil), o novo filme de Quentin Tarantino; "Maduro", eu disse... tentarei explicar o porquê disso abaixo...

Uma nota preliminar antes... eu gosto de dizer que não se lê resenha ou mesmo a sinopse antes de ver um filme. Por mais que se evitem spoilers (revelações da trama), ver o filme completamente despido de informações (sobre o mesmo) ajuda a construir uma visão própria e formar suas próprias críticas, sem nunca esperar algo que possa ou te decepcionar ou estragar o elemento da surpresa, que conta muito para algumas obras... Dito isso, concluo que, caso você não tenha visto o filme ainda, suplico, imploro de joelhos que pare de ler esta suposta resenha aqui mesmo, porque, por mais que eu me segure nos spoilers, eles serão inevitáveis. Volte depois, caso ainda se interesse e vamos discutir, mas não leia agora! Mas, se você já viu o filme ou não liga para nada do que eu falei, sinta-se em casa...

Comecemos!

Música Tema de Django

     Por que, na minha opinião, Django é "maduro"? Para começar, dá uma dimensão profunda dos personagens, coisa que, por mais que sim, acontece nos filmes do Tarantino, depois de um tempo se torna razoavelmente raro... Em geral (e isso é uma opinião minha), os personagens são utilizados como instrumentos para o desenvolvimento da trama. Django, no entanto, muda muito durante o filme e nós temos o prazer de acompanhar este processo. Em outras palavras, a trama interage com o personagem, não o comanda. Django só faz as coisas de tal maneira porque existe uma história por trás que o tornou daquele jeito (e nós podemos acompanhar essa história). Isso é novidade! Em Pulp Fiction, por exemplo, onde diversas histórias ocorrem e se entrelaçam, a mudança mais significativa talvez seja a do Jules, personagem do Samuel L. Jackson (que aparece em vários filmes do Tarantino, aliás), mas mesmo assim, é um instante, uma coisa pá-pum, não tem o sentimento de que o personagem está mudando. Um evento, um "milagre" ocorre e ele é outro homem. Em Kill Bill, da mesma forma, a Noiva muda após o ensaio de casamento frustrado e etc... Em todo caso, o ponto é: existe um desenvolvimento (essa era a palavra!) do personagem, acompanhamos Django ir de um escravo assustado e inseguro até... bom... até o final do filme...
     Outra coisa são os laços criados com seu parceiro, Dr. King Schultz (divinamente interpretado por Christoph Waltz, aliás, que já atuou em Bastados Inglórios [Inglorious Basterds] também do Tarantino) estão lá, às vezes externalizados, como em uma das cenas finais, quando Django beija seu corpo (eu avisei que haveriam spoilers!) e outras, implícitos nas ações e atitudes dos personagens.

Cena abaixo citada, para quem quiser relembrar.

A sequência de cenas, aliás, que representa o inverno que passaram juntos, sob o som de "I Got a Name" é uma das partes mais bonitas e tocantes do filme. A fotografia do filme é incrível, seja exibindo as belezas do "Wild West" americano, seja experimentando com a iluminação (vocês sabem do que eu estou falando, a cena do tiroteio na casa grande é um bom exemplo), seja utilizando aquelas tomadas à la Sergio Leone.

Cena de "Três Homens em Conflito", filme de Sergio Leone e grande influência para Tarantino














     Falando nisso, que puta trilha sonora o Tarantino escolheu, de black music aos clássicos do western (Ennio Morricone!), passando por Johnny Cash... É realmente de espantar como tamanha diversidade se encaixou no filme com tamanha perfeição... Mas, fotografias, personagens e trilhas à parte, vou tocar nos pontos que eu pensava quando saí do cinema na primeira e na segunda vez em que vi o filme e que são os motivos de eu estar querendo fazer esta resenha caseira.

1)  Romance

Django é, apesar de tudo, uma história de amor. Como ressalta o Dr. Schultz, Django é Siegfried atrás de sua princesa Broomhilda. E claro, por causa disso, o final não poderia ser diferente. Mas chegaremos lá. Essa forma inédita de encarar tema tão polêmico - escravidão - nos dá a possibilidade de explorar Django não como um escravo (símbolo), mas como pessoa (indivíduo). Isso humaniza o escravo, o afasta das considerações ideológicas, das lutas e o torna acessível ao espectador, o torna igual, em sentidos de ser gente. A escravidão não é o foco principal nem é o objetivo do protagonista acabar com ela. Ela é circunstancial e, apesar de ser um dos pilares centrais da narrativa, está apenas em segundo plano. Isto permitiu algumas coisas ao diretor. Primeiro, que a brutalidade da escravidão fosse evidenciada. Segundo, que esta fosse relativizada (também chegaremos aos dois pontos ainda). E ambos sem nunca comprometer a coerência da busca do protagonista.


2) A relativização da escravidão

Como em Manderlay, filme do Lars von Trier (meu diretor favorito), Django Unchained consegue relativizar a escravidão enquanto questão racial, enquanto dicotomia brancos x pretos. Diferente de Manderlay (não entregarei o ouro aqui, vejam o filme vocês), no entanto, Django mostra a escravidão como questão de poder não como questão racial. A "raça" se encontra na superfície do conflito, mas a violência está nas mãos de quem tem poder e não de quem tem a mão branca. Isso se evidencia muito claramente em dois personagens: o já citado Dr. King Schultz, um branco que abomina a escravidão e, claro, o brilhantemente interpretado Stephen (Samuel L. Jackson), negro que puxa as cordas em Candyland, maior plantation da região. Stephen, que se faz de pau mandado, de puxa-saco, de frágil, mas que sabe muito bem sua posição de comando lá dentro, mesmo que esteja nas entrelinhas das relações. Sua bengala jogada fora no fim do filme é o símbolo de sua fragilidade falsificada. Seu cinismo, sua brilhante construção enquanto personagem são um dos ápices do filme. Stephen é meu personagem favorito.

3) Dois tipos de violência

Vemos em Django duas forma de violência. A primeira é a já conhecida tarantinesca violência exagerada de filmes B, com suas explosões, jorros de sangue, etc... esta é presente em quase todos os seus filmes (à exceção apenas, talvez, de Jackie Brown, filme que foge bem do seu modus operandi. Talvez por ser baseado em um livro, enquanto os outros são roteiros originais). A outra é a violência que retrata a brutalidade da escravidão. Esta também está presente de duas formas distintas: a violência física enquanto tal, onde eu poderia citar como exemplo a cena da luta de mandingos ou a do lutador que tenta fugir e... bem... vocês lembram de seu destino. E há também a violência visual, a que é vista em olhares cansados e submissos dos escravos, em máscaras, mordaças e coleiras (que, aliás, eu nunca tinha ouvido falar antes desse filme, mas que dei uma pesquisada e sim, são reais). Ambas as formas de violência brutal trazem à tona a escravidão em sua forma mais visceral, convida o espectador à discussão acerca deste tema que, para muitos, está obsoleto e enterrado, mas que faz parte de nossa história e ainda está muito vivo enquanto formador da organização social tal como ela é hoje. Tarantino consegue provocar uma mistura de sentimentos, muitos odeiam, muitos adoram, e uma infinidade de coisas entre os extremos, e com isso, traz a inevitável e muito bem vinda discussão.


4) Dois fins, dois filmes

Em consideração ao final de Django, por mim ele poderia ter acabado com o tiroteio na casa grande. Django morre, enfim, como símbolo do fracasso da luta da emancipação negra naquele tempo. E ponto, é o fim. Vitória dos donos de escravo... pelo menos até a abolição efetiva. Seria um final poético, simbólico e daria um puta fechamento para o filme, tornaria tudo muito mais pesado, muito mais reflexivo... mas... não seria Tarantino! A extensão da história e as cenas finais são onde Tarantino demonstra sua vocação explosiva (perdoe o trocadilho) para transformar violência em entretenimento. O final adotado por Tarantino deixa o clima mais leve e é muito mais fácil sair do cinema, sem evitar, no entanto, a discussão posterior. Django se faz Siegfried e obtém sua vingança ao mesmo tempo. Nos gratificamos com a compensação da morte de Schultz e, bem, o "mocinho" ganhou, como em todo western. É uma boa sensação. A sequência de explosões, mortes, tiroteios e cínica execução dos donos da plantation é gratificante em sua maior extensão. Dá a conclusão que o público queria após a preparação que dura o filme todo e, mais precisamente, os momentos finais. Django é o vitorioso e assim termina sua história. Me dá a sensação de existirem dois filmes, o primeiro, reflexivo, profundo. O segundo, explosivo.
Essas duas faces do mesmo filme se complementam de forma incrível e dão origem ao que eu gosto de chamar de "O melhor filme do Tarantino".


Por essas razões, pela capacidade de explorar tantos aspectos em um mesmo filme e por tratar o tema "escravidão" de uma forma inédita, que eu considero este um filme maduro e um dos melhores do ano que passou pelos cinemas.

Trailer de Django Livre





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PS:  O Tarantino explode no filme! O quão sensacional é isso?



3 comentários:

  1. Django foi o melhor filme de 2012, sem dúvidas! Não achei que fosse gostar mais de outro filme do Tarantino depois de Bastardo Inglórios...
    Acho que muito além do roteiro sensacional, é todo um conjunto de uma fotografia absurda e uma trilha sonora que dá vontade de ficar ouvindo por dias.

    Discordo da sua análise de alguns personagens, como o Shultz. Mas meu comentário é só pra dar "pulinhos" com você, dizendo como o filme é maravilhoso! hahaha

    Ótimo texto, meu bem! :)

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  2. Bom, como meu primeiro comentário foi apagado e esquecido pela cruel internet vou tentar sintetizar, apesar de saber que perdi muita coisa que não lembrarei.
    Tarantino nos dá um presente e tanto em nos deixar ver a transição desse personagem fantástico que é Django, engatinhamos ao seu lado e logo depois cavalgamos entre os brancos, provocando questionamentos de todos ao redor. A veracidade atingida nesse filme me deixou besta, todos os personagens secundários respondendo de maneira original ao que acontecia, todos os detalhes histórico-sociais bem representados, e os diálogos magníficos esfaqueando nossas mentes, como em todo filme tarantinesco. É delicioso ver o que um cara apaixonado pelo cinema consegue ao fazer cinema, e Tarantino consegue sempre inovar sem perder sua marca principal, seus diálogos, seus sangues, suas críticas afiadas, seus modafócas e nígas. Ele consegue provar de vários sabores e abordagens diferentes sem perder a qualidade e aqui ele passa pelo western com uma precisão incomparável, assim como Django acertando o peito do boneco de neve. As explosões, os sangues, são como um presente, como o dono bondoso dando um biscoito ao cachorro fiel, o filme poderia continuar perfeito sem eles, mas com eles existe uma dose muito maior de entretenimento e tarantinagem. Eu percebi, assim como você, Breno, como ele foi inspirado por diversas coisas, filmes, obras. Uma que percebi, e se não for o que eu acho poderia sê-lo, foi quando os capangas e o fazendeiro resolvem fazer uma emboscada para Dr. Schultz e Django e há toda aquela discussão sobre a mascara e o buraco nos olhos. Aquilo é puro Monty Python! Pelo menos pra mim, acho que caberia perfeitamente em um dos programas como uma esquete, e seria uma das melhores. No geral, posso dizer que fico feliz em ter assistido, ainda lúcido e pseudo-jovem, um filme desse tamanho, com essas potências e com tanta diversão, ainda que séria. As quase três horas de filme apenas fluíram, inexistentes no tempo da realidade. Resumindo, Foda demais. Sem mais.

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  3. ps.: Sobre o fim, concordo com o final poético, Breno, e acho que ficaria muito cabível. Imagine só, Django, depois de tantas lutas, morre nas mãos dos fazendeiros brancos, ou pior!, morre nas mãos do negro Stephen (que, puta que pariu Samuel L. Jackson, que saudade de você desde Pulp Fiction sem nos ver, me surpreendi ao relembrar a tamanha qualidade desse ator). Tantos indícios no filme do Stephen e seu ódio pelo negro, discutindo quando Django está sobre o cavalo, ou quando o mesmo fala na mesa de comer sem ser chamado para isso. Imagina o negro morrer nos braços do negro!, imagina tamanha crítica ao ser (des)humano, imagina quantos espectadores sairiam do cinema putissimos! Lars von Trier não pensaria duas vezes.

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