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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Construção de Personagem - Oblómov

Há algumas semanas (ou foram meses?) comecei a ler Oblómov, de Ivan Gontcharóv... puta livro! Puta livro, mesmo! Impressionante como uma história onde não acontece quase nada de relevante pode te prender e te angustiar... enfim... por motivos de aulas de verão (para repôr a greve), tive que dar um hiato na leitura, mas gostaria de comentar uma parte que foi, até agora, uma das minhas favoritas. Veja, - e falarei de forma bastante pretensiosa, então não se assuste - quando eu crio um personagem (eu sei, como se alguém ligasse), eu gosto de dá-lo um contorno geral, claro, para que o leitor possa entender com quem está lidando aqui, mas deixá-lo vago, de forma a provocar a criatividade e conectividade entre o leitor e o personagem em questão. Em geral, essas características são mais físicas, mas aí depende de quem está lendo, claro... Bom... Gontcharóv conseguiu o que eu nunca poderia sonhar: ele criou o (meu) personagem perfeito! Em duas páginas e meia de descrição, você sabe perfeitamente quem é Alekséiev e ao mesmo tempo não faz ideia de como retratá-lo em sua mente, ou seja, não sabe quem é esse cara. Isso permite ao personagem ser unicamente retratado na mente de cada leitor, permite a identificação pessoal de cada um com ele... ele é uma espécie de zé povinho, average joe ou algo assim... bom... sem mais delongas, vou postar o trecho que cobre a descrição do sujeito:

‎" Entrou um homem de idade indeterminada, fisionomia indeterminada, naquela fase da vida em que é difícil adivinhar a idade; não era bonito nem feio, não era alto nem baixo, não era louro nem moreno. A natureza não lhe dera nenhum traço marcante, notável, nem ruim, nem bom. Muitos o chamavam de Ivan Ivánitch, outros, de Ivan Vassílievitch, e outros, ainda, de Ivan Mikháilitch.
Quanto ao sobrenome da família, também havia diferenças: uns diziam que era Ivánov, outros o chamavam de Vassíliev ou Andréiev, e outros ainda achavam que era Alekséiev.
Um desconhecido que o visse pela primeira vez e escutasse seu nome o esqueceria logo em seguida, e esqueceria também seu rosto; o que ele falava nem se percebia. Sua presença nada acrescentava à sociedade, assim como sua ausência nada retirava dela. Sua mente não possuía senso de humor, originalidade, nem outros traços peculiares, a exemplo do corpo.
Talvez ele soubesse pelo menos contar tudo o que via e escutava e com isso despertar o interesse dos outros; no entanto, não ia a parte alguma: como nascera em Petersburgo, não viajava a lugar nenhum; em consequência, via e escutava aquilo que os outros também sabiam.
Seria simpático aquele homem? Será que amava, odiava, sofria? Na certa devia amar e não amar, sofrer, porque afinal ninguém está a salvo disso. Mas, sabe-se lá como, ele achou um jeito de amar todo mundo. Existem pessoas assim, em quem os outros, por mais que se esforcem, não conseguem despertar nenhum espírito de animosidade, de vingança etc. Não importa o que façam com tais pessoas, elas sempre se mostram amáveis. De resto, é preciso lhes fazer justiça e reconhecer que seu amor, se o dividirmos em graus, jamais alcança o nível do ardor. Embora digam que tais pessoas amam a todos e por isso são boas, no fundo não amam ninguém e são boas apenas porque não são más.
Se diante de um homem assim alguém dá esmola a um mendigo, ele lhe joga também sua moedinha, e se alguém xinga, expulsa ou faz algo atrevido com outras pessoas, ele age da mesma forma. Não se pode dizer que é rico, porque é antes pobre do que rico; mas positivamente tampouco se pode dizer que é pobre, porque na verdade há muita gente mais pobre do que ele.
Tem uma espécie de renda de trezentos rublos por ano e, além disso, tem um cargo irrelevante no serviço público e ganha um salário irrelevante: não passa necessidades, não toma empréstimos de ninguém e, menos ainda, não passa pela cabeça de ninguém lhe pedir dinheiro emprestado.
No seu emprego, não tem nenhuma ocupação especial e constante, porque os colegas e os chefes não conseguem de maneira nenhuma saber o que ele faz pior e o que faz melhor, de tal modo que é impossível determinar para o que ele é especialmente capaz. Se lhe dão isso ou aquilo para fazer, ele o faz de tal modo que o chefe sempre se vê em apuros, sem saber como avaliar seu trabalho; examina, examina, lê, relê, e só consegue dizer: 'Deixe para lá, depois examino melhor... Sim, está quase como deve ser'.
Nunca passa pelo seu rosto o menor traço de preocupação, de fantasia, que demonstre que, naquele minuto, ele está conversando consigo mesmo, e ele nunca é visto dirigindo um olhar cobiçoso a algum objeto exterior, indicativo de que deseja mantê-lo sob sua alçada.
Um conhecido o encontra na rua: 'Aonde vai?', pergunta. 'Pois é, estou indo para o trabalho, ou para as lojas, ou visitar alguém.' E o outro diz: 'É melhor vir comigo ao correio, ou então vamos juntos ao alfaiate, ou vamos dar um passeio'. E ele o acompanha, vai ao alfaiate, ao correio e passeia na direção oposta à que antes estava indo.
É difícil que alguém, exceto sua mãe, tenha percebido seu aparecimento no mundo, muitos poucos reparam nele no decorrer da vida, mas seguramente ninguém vai notar como ele desaparecerá do mundo; ninguém vai perguntar por ele, nem vai lamentá-lo, e ninguém vai se alegrar com sua morte. Ele não tem inimigos nem amigos, mas seus conhecidos são numerosos. Talvez só o cortejo fúnebre atraia atenção de um passante, que renderá homenagem àquele rosto indeterminado, pela primeira vez objeto de honra de uma reverência em que se abaixa bastante a cabeça; talvez até algum outro curioso venha correndo para a frente do cortejo a fim de saber qual é o nome do falecido, para logo depois esquecê-lo.
Pois esse Alekséiev, Vassíliev, Andréiev ou como preferirem é uma espécie de alusão incompleta e impessoal à matéria humana, uma reverberação surda de seu vago reflexo."

Quando conseguir terminar o livro, voltarei (?) com uma resenha completa

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