Tom Hanks e seu biquinho no poster do filme
Lembro que quando assisti À Espera de um
Milagre não esperava milagre algum e nem sabia o que era um Stephen King e
mesmo em minha total ignorância (que muito não mudou) e desesperança (idem
ibidem) o filme me atingiu como um raio, explodindo meu ser que
transfigurava-se em gordas gotas de água e sal, quase um biscoito gigante
pronto pra ser mergulhado em café borbulhante e engolido por saudáveis dentes
cavalares, tamanha insignificância me senti, tamanha quantidade de água e sal
lambiam meu rosto.
Não que o meu chorar valha alguma moeda
furada, para um cara que chora assistindo Adam Sandler, mas esteja certo que
meu total silêncio e envolvimento valem alguma coisa no mercado negro.
o caótico rato (não, não vou por fotos de infecção urinária)
Ali
me vi nos EUA dos anos 30, numa ala maldita de uma maldita prisão onde um
simples rato e a infecção urinária do chefe são temas discorridos, importantes
e odisseicos. Agradou-me muito o filme, mas ao revê-lo, encarcerado na jaula
das minhas férias, percebi mais nuances do que antes, quando usava meus olhos
desesperançosos e não-stephenkingianos.
Os diversos temas abordados – velhice,
morte e suas penas, vida e suas mortes, religião, racismo, preconceito,
inocência, doença, criminalidade, etc e tal – desfilam de maneira plausível e
inteligente entrelaçados no roteiro adaptado de Frank Darabont (que adaptou Um
Sonho de Liberdade [1994] e O Nevoeiro [2007], ambos obras de King).
Infelizmente, não li o livro, mas posso
afirmar que após o filme a venda aumentou de maneira tamanha que a foto do pôster
do filme apossou-se da capa do livro, fazendo muitos leigos não saberem dizer
quem era o pai e quem era o filho. Espero que o Breno, outro Stephenkingologista,
tenha o lido e assim, quem sabe, pode nascer uma “““matéria””” comparada à la
top 10 e outras loucuras, portanto, cruzem seus dedos inexistentes.
sim, esse é o livro (com o biquinho do Tom Hanks para os leitores)
Muito se há pra falar desse filme e em
cinco parágrafos eu não disse nada (esse é meu poder especial: falar muito e
não dizê-lo), vamos em partes então, provavelmente não vou atingir tudo que
quero, mas passarei de leve, num cafuné simpático que não se nega. Um exemplo que
chamou minha atenção nesse filme foi a atuação de Michael Clarke Duncan, que
deu vida a John Coffey com sua excelente, desconhecida e despretensiosa atuação que foi conhecida nas esferas do Oscar e do Globo de Ouro, apesar de não ter
ganhado, e que transformou milhares de pessoas em biscoitões de água e sal.
Duncan morreu, aos 54 anos, e posso dizer
que fiquei triste, pois criador se mistura com criatura e é algo mais forte do
que nossos osteoporósicos braços humanos conseguem separar. Assim como John
Coffey viveu pelo amor e morreu por uma morte envolta no amor de duas irmãs e
de um psicopata (que nada mais é que o amor enlouquecido e elevado em todas
suas potências), Michael sobreviveu um pouco mais movido pelo amor de sua
noiva, que o resgatou da morte reanimando-o após uma parada cardíaca (imaginem
a força de alguém a reanimar um corpo de 150 quilos). Não que eu acredite em
milagres, mas se o milagre for amor, aquele amor que te injeta adrenalina, que
te faz dar vida em troca da sua, pois muitos sabem que com a adrenalina e a
força utilizada numa reanimação pode-se muito bem ter uma parada cardíaca você
mesmo, posso dizer que fico um pouco bambeado nessas questões. Mas como o mundo
real é real e cruel, e nas coisas reais e cruéis o amor, com todos seus poderes
e invenções, não tem vez e é normalmente pisoteado por aquilo que tem que ser,
Michael foi para o hospital e, enquanto todos estavam à espera de um milagre,
faleceu, imortal nos olhos do puro e bobo John Coffey (o único papel que mostrou
a capacidade desse ator, infelizmente). Disso tudo, posso dizer que Deus é um
péssimo roteirista e que meu fluxo de pensamento é uma bagunça.

John Coffey assistindo os anjos e me transformando num biscoitão
À Espera de um Milagre é um filme que vai
te apaixonando aos poucos e te destruindo aos poucos, para que, quando perceba,
não há mais muito em que se apoiar, pois se os seres vivos existem pra morrer
que esperança resta? E se todos nós sabemos dessa finitude escancarada no final
do tudo, o que esperamos e do que esperamos esse milagre? A irônia sagaz de
Stephen King está pincelada levemente em conversas religiosas, nos moldes dos
personagens e suas facetas, na total destruição do milagre, porém não da sua
espera, o que é o mais importante. Porque é a espera que se faz caminhar,
deslumbrado pelo saliente corpo invisível e intocável do impossível, tateando e
descobrindo o mundo na cegueira do querer improvável. Apesar de ser cruel e
paradoxal, é a espera que move, é a esperança (palavra que tão pouco recorro e
que desacredito, talvez por isso seja tão sedentário e desconhecido). Paul
Edgecomb consegue o milagre, mas vemos que não há prazer, que não há deleite, que
às vezes a espera(nça) é melhor do que o milagre em si.
Paul Edgecomb
É um filme tocante, em minha opinião
fecal, e gastei tantas palavras tentando prova-lo que nada falei, peço
paciência e toda a boa vontade que não tenho. Uma das cenas que mais me puxam
pela orelha, que mais fazem meus olhos brilharem com o líquido da nostalgia
inexistente, com a falsa memória de um passado morto, que mais me enervam com a
sabedoria de que tudo vai piorar, e vai sim, porque Stephen King é um filho da
uma puta, é a bela cena de John Coffey vendo os anjos dançarinos cantando Cheek
to Cheek. E já que não falei nada até agora, continuemos calados, ouvindo essa
canção e vendo os anjos dançarem.