Jostein Gaarder é um escritor e filósofo norueguês, conhecidíssimo pelo seu livro O Mundo de Sofia, entretanto, a nossa relação se estreitou devido a uma outra carta, escondida não somente sob a manga, mas entre prateleiras de livrarias e sebos. Depois de anos de encontros e desencontros, numa tarde de folga no Centro da cidade, encontrei o curinga rindo ironicamente debaixo de uma pilha de livros, e por fim consumimos a nossa relação objeto-espectador / livro-leitor.
O Dia do Curinga
é uma das obras que eu carregaria no bolso sempre, tivesse eu uma versão pocket
sua. As primeiras páginas surtiram o mesmo efeito mágico de quando eu havia
lido-as cinco, seis anos atrás, o restante era um oceano desconhecido. O livro
não trata de Filosofia em si, como em O
Mundo de Sofia, mas é filosófico, assim como toda a obra de Gaarder. Suas
páginas carregam a história do garoto Hans-Thomas, que sai de Arendal, uma
pequena cidade norueguesa, em direção à Grécia junto de seu pai “à procura da
mulher que os deixou oito anos antes”, uma mãe-esposa que se perdeu no mundo
para se encontrar, e nesse trajeto dentro de um fiat vermelho cruzando o Velho
Continente até a Antiga Grécia dos olimpianos, o garoto participa de conversas com
seu pai a cada “pausa para um cigarro” que vão desde maldições de família à
desolação da bocarra de ferro do Tempo que devora a tudo e a todos, ele
descobre a bebida púrpura e os peixinhos coloridos nos Alpes, e recebe – devido
aos acasos do Destino – dois pequeninos presentes que o acompanham ao longo da
viagem: um pequeno livrinho com letras minúsculas e ilegíveis, e um pedaço de
vidro que lhe cai como uma lupa.
É
através do livrinho que Gaarder nos conta uma história dentro da história e
outra dentro desta, e no fim tudo vem a se encaixar como cartas espalhadas
aleatoriamente pelo mundo, mas que começam a serem organizadas por uma mão
invisível que trança as vidas no Destino. A história de Hans-Thomas, dos
peixinhos, da bebida e das cartas de paciência de Frode é por vezes tão lúdica,
assim como o próprio Curinga, tão fantasiosa que no fundo, já preso à narrativa
reflexiva e suave, você se pega rezando pela realidade dessas
estórias-histórias, agarrando-se com todas as forças nessa trança invisível.
Outro
aspecto peculiar do livro – agradabilíssimo aos amantes de baralho – é a
organização de seus capítulos, cada um sendo uma carta do baralho, e entre
eles, a carta-capítulo do curinga que nos traz o verdadeiro ponto de revolução
da história, o ponto inicial da evolução do herói, um ponto muito anterior a
Hans-Thomas mas que tudo tem a ver com o garoto.
O Dia do Curinga
é um daqueles livros que te deixa com o coração apertado conforme as suas páginas
vão acabando, é um livro que te deixa com um brilho nos olhos quando o
menciona, que te deixa – propositalmente – com muita pulga para pouca orelha, e
isso é o mais gostoso, essa relação ativa que o leitor desenvolve com a
história e suas reflexões, afinal, Gaarder se diz escritor e filósofo, e ele
faz por merecer tais títulos. A grande jogada do curinga, ao meu ver, é você
conseguir deslocar daquele universo as capacidades de observação e sensação,
trazendo-as para cá. O dia do curinga
encanta, porém encanta muito mais àquele que se dá ao prazer de observar,
admirar e sentir os pequenos detalhes da vida, do cotidiano, tornando-se assim
mais um curinga, mais uma carta fora e ao mesmo tempo dentro do baralho.
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